Enquanto a fome continua a ser uma preocupação crítica, o excesso de peso e a obesidade estão a aumentar rapidamente em todo o mundo. A desnutrição em todas as suas formas afeta agora países de baixo, médio ou alto rendimento, sendo que as diferentes formas de desnutrição podem coexistir dentro do mesmo país ou comunidade, e às vezes dentro da mesma família ou indivíduo. Os múltiplos impactos da desnutrição suscitam preocupações éticas, políticas e económicas e a falta de ação perante este desafio provavelmente terá repercussões muito negativas nas gerações futuras. Os sistemas alimentares existentes em cada país influenciam os padrões alimentares das populações e o seu estado nutricional. O ambiente alimentar (ou seja, o contexto físico, económico, político e sociocultural onde cada consumidor se envolve com o sistema alimentar) tem um papel central na facilitação de escolhas alimentares saudáveis e sustentáveis por parte dos consumidores. Nos últimos anos visando facilitar e orientar essas escolhas temos assistido a uma crescente medicalização da nutrição, afastando-a dos sistemas alimentares e agrários que estão na base (ainda) da produção de alimentos. Por outras palavras, temos muita informação sobre a composição nutricional dos alimentos em todos os rótulos, mas pouco sabemos sobre o modelo de produção das matérias primas utilizadas nesses mesmos alimentos. E menos saberemos num futuro próximo sobre o impacto de determinados alimentos no nosso organismo porque, nesse contexto crescentemente “científico” o conhecimento tradicional alimentar tende a perder-se. Com a consciência da importância e relevância dos sistemas alimentares e da nutrição para a consecução dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), o Comité de Segurança Alimentar Mundial (CFS) solicitou ao Painel de Alto Nível de Especialistas em Segurança Alimentar e Nutrição (HLPE) que preparasse um relatório sobre Nutrição e Sistemas Alimentares, que foi apresentado no CFS 44 em outubro 2017. Entre as principais recomendações, encontram-se a integração da nutrição como um objetivo explícito nas políticas, programas e orçamentos nacionais e o planeamento e implementação de estratégias intersectoriais de nutrição em diferentes níveis, do global ao local. Nessas estratégias será importante que os países valorizem a sua cultura alimentar, o seu conhecimento tradicional alimentar e nutricional. Só assim poderão ocorrer mudanças efetivas em todos os sistemas alimentares. A implementação de políticas e programas adequados tem o potencial de moldar os sistemas alimentares, melhorando os ambientes alimentares através da facilitação do acesso físico e económico a dietas saudáveis e sustentáveis, em linha com a cultura alimentar local, permitindo escolhas alimentares mais saudáveis e menos complexas, contribuindo, assim, para a realização progressiva do Direito Humano à Alimentação Adequada. Francisco Sarmento, |