A participação da mulher nos Jogos Olímpicos iniciou-se apenas nos Jogos da era moderna, uma vez que nos Jogos Olímpicos da antiguidade apenas os homens podiam competir. Foi nos Jogos de Paris em 1900 que as mulheres puderam competir pela primeira vez, tendo representado 2% do total de atletas. O número de atletas femininas tem vindo, desde então, a aumentar de forma progressiva e significativa. Nos últimos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro em 2016, a participação feminina atingiu o record de 45%. Projeta-se que em Tóquio 2021 a participação seja praticamente igualitária, com a representação feminina a chegar aos 49%.
Porém, a investigação em desporto no geral, e em nutrição no desporto em particular, é tudo menos igualitária. Estudar a mulher atleta tem, a priori, uma dificuldade acrescida: o ciclo menstrual. O ciclo menstrual divide-se classicamente em 2 fase, a folicular e a lútea. Para efeitos de investigação, e tendo em conta as variações de estrogénio e progesterona ao longo do ciclo (e não apenas a menstruação e a ovulação), é interessante dividir o ciclo em 6 fases: (1) fase folicular inicial, (2) fase folicular tardia, (3) fase ovulatória, (4) fase lútea inicial, (5) fase lútea média e (6) fase lútea final. A razão entre as hormonas ováricas é diferente entre cada uma destas 6 fases, e a relação entre estas duas hormonas, e não apenas a interpretação dos valores de cada uma delas de modo individual, é fundamental.
Para garantir que se sabe de forma concreta e precisa em que fase do ciclo menstrual a atleta se encontra, é recomendado usar em contexto de investigação um conjunto de vários métodos em simultâneo, que incluem a calendarização do ciclo através da contagem dos dias, kits de deteção da ovulação na urina e doseamento sérico do estrogénio e da progesterona. Posteriormente, será necessário repetir os diferentes testes (de rendimento, intervenções alimentares, etc.) nas diferentes fases do ciclo menstrual de modo a perceber se existem, ou não, diferenças de resposta consoante a fase do ciclo.
Por todas estas particularidades, o estudo específico da mulher atleta torna-se um desafio a vários níveis. E por estes motivos, os estudos de intervenção em desporto, incluindo os de nutrição no desporto, são tradicionalmente desenvolvidos apenas em atletas homens.
Apesar das dificuldades acrescidas no estudo da mulher atleta, o entendimento do impacto das variações hormonais relacionadas com o ciclo menstrual é fundamental para se compreender as potenciais diferenças de resposta em contexto desportivo entre homens e mulheres. E as principais hormonas responsáveis por estas potenciais diferenças são, portanto, o estrogénio e a progesterona. O estrogénio tem sido considerado como tendo um efeito anabólico ao nível do músculo esquelético e também como tendo impacto no metabolismo energético, estimulando a utilização de gordura durante o exercício e aumentando o armazenamento de glicogénio muscular (por reduzir a utilização de hidratos de carbono durante o exercício e reduzindo também a utilização de glicogénio muscular). Pensa-se também que o estrogénio tenha propriedades antioxidantes e de estabilização de membrana, para além de efeitos neuroexcitatórios. Por outro lado, pensa-se que a progesterona tenha efeitos anti-estrogénicos, nomeadamente um efeito catabólico tanto em repouso como durante o exercício.
No mês passado foi publicada uma revisão sistemática e meta-análise que reportou uma ligeira redução de rendimento (tanto de endurance como de força) na fase folicular inicial, comparativamente a todas as outras fases. Curiosamente, outra recente revisão do mesmo grupo de investigação mostrou que as utilizadoras de anticoncecionais orais (todas as formas de anticoncecionais orais foram incluídas neste estudo) têm um rendimento ligeiramente inferior comparativamente a atletas eumenorreicas. Importante referir que a utilização de contraceção hormonal por mulheres atletas é frequente, havendo estudos a reportar o seu uso em 50% das atletas. Os anticoncecionais orais combinados (de estrogénio e progesterona) parecem ser a forma mais frequentemente escolhida, seguidos dos contracetivos que contêm apenas progesterona.
Tendo em conta que o perfil hormonal endógeno das utilizadoras de anticoncecionais orais é comparável ao perfil hormonal durante a fase folicular inicial, e que ambas as revisões referidas reportaram valores de rendimento ligeiramente comprometidos quando as duas principais hormonas (estrogénio e progesterona) estão no seu valor mais baixo, é possível pensar que o rendimento desportivo possa ser mediado pela concentração destas hormonas em algumas mulheres atletas. Seguindo o mesmo racional, e tendo em consideração o que se conhece acerca do impacto metabólico do estrogénio e da progesterona, faz sentido pensar que diferentes abordagens alimentares e nutricionais possam ser prescritas para diferentes fases do ciclo menstrual.
É por isso urgente mais investigação específica com mulheres atletas, de modo a se poder iniciar uma intervenção alimentar e nutricional verdadeiramente individualizada, e não apenas uma transposição do que se aplica ao homem atleta.
Mónica Sousa
Professora de Nutrição e Metabolismo, NOVA Medical School|Faculdade de Ciências Médicas, UNL
Unidade Universitária Lifestyle Medicine, CUF by NOVA Medical School
Federação Portuguesa de Atletismo
Investigadora ProNutri, CINTESIS