A investigadora Ana Abecasis afirma que a mais recente variante da Mpox pode ser assintomática, mas a possibilidade de transmissão ainda não está bem compreendida, e que a vacinação é a forma mais eficaz de combate.
“É possível a existência de casos assintomáticos – que nesta patologia penso que são menores -, mas a possibilidade de transmissão a partir de assintomáticos é que ainda não está bem compreendida”, explica à Lusa a professora assistente do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT) da Universidade Nova de Lisboa.
O mais recente surto de Mpox, anteriormente chamada de ‘varíola dos macacos’, é causado pelo ‘clade I’, da África Central, que é diferente do que causou o surto em 2022, com vários casos na Europa, o ‘clade II’, da África Oriental, indica.
“Estes ‘clades’ têm características diferentes em termos de sintomatologias”, diz.
“O ‘clade II’ causava erupções cutâneas menos frequentes e mais localizadas, enquanto o ‘clade I’ tem erupções mais dispersas em todo o corpo, o que faz com que tenha uma sintomatologia mais severa. No entanto, sintomas como a febre, as cefaleias e as linfadenopatias [condição em que os nódulos linfáticos ficam com tamanho, consistência ou número anormais] são comuns em ambos”, declara.
Aparentemente, a mais recente estirpe é mais violenta, apesar de a investigadora ter frisado que ainda não encontrou “informação clara relativa à taxa de mortalidade”.
“O que está descrito é que esta estirpe tem taxas de mortalidade mais elevadas, sendo que a informação que eu encontrei é que esta tem uma percentagem de 1 a 10%, enquanto o ‘clade II’ tinha de 2 a 6%, mas isto também depende das áreas afetadas”, salienta.
Ana Abecasis explica que a taxa de mortalidade entre as estirpes não deve ser diretamente comparada, pois o surto de 2022 teve casos na Europa, que tem uma maior capacidade de resposta, e o surto atual está a afetar principalmente África, onde há falta de infraestruturas e de profissionais de saúde.
O ‘clade I’ transmite-se mais frequentemente de humano para humano, o que facilita a sua propagação, sendo que, quinta-feira, na Suécia, foi anunciado o primeiro caso na Europa, por isso “há uma necessidade de prevenção elevada”, sublinha.
Especificamente sobre África, “a melhor resposta (…) para colmatar este surto é através da prevenção porque, em termos de capacidade de resposta de recursos humanos em saúde para tratamentos, sabemos que temos recursos limitados nestes contextos e acaba ser mais difícil de atuar”, lamenta.
Por isso, priorizar a vacinação “será a melhor estratégia para tentar dar a volta a esta falta de recursos humanos”, aconselha.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) tem uma série de recomendações, que vão desde o diagnóstico precoce, o isolamento dos casos, a notificação de parceiros, a identificação dos contactos e a vacinação, mas o número de vacinas disponíveis é ainda baixo, diz.
Neste momento, há a questão da produção de vacinas, da distribuição e a priorização de pessoas de alto risco para começarem a ser vacinadas, mas o contexto local pode complicar essa ação.
No entanto, a Aliança de Vacinas GAVI, cujo presidente é Durão Barroso, antigo primeiro-ministro português, tem um plano de resposta com uma verba financeira destinada a este tipo de emergências, de 500 milhões de dólares (cerca de 455 milhões de euros) e anunciou na sexta-feira a criação de uma reserva global de vacinas contra a Mpox.
“Neste caso, vamos ter que garantir que estas vacinas são distribuídas de uma forma coordenada e que as entidades a nível local conseguem ir controlando os casos que surgem e identificar contactos, de forma a impedir que a epidemia alastre rapidamente”, afirma a investigadora.
A professora considera crucial que sejam definidos grupos de alto risco.
“Eu ainda não vi nada em que se definam os grupos de alto risco neste caso. Sabemos que há muitas infeções em crianças, que há transmissão vertical e, neste caso, a taxa de mortalidade é maior”, frisa.
Desde o surto anterior, em 2022, tem havido uma resposta de investigação e preparação para a varíola, indica.
Relativamente a Portugal, “tem de haver uma sensibilização, por parte dos profissionais de saúde, para a sintomatologia desta doença, ou o espetro dos sintomas, na ótica da possível existência de casos importados, para que possamos atuar de imediato para os isolar”, diz.
“Também não sei o que está previsto em termos de controlo das entradas de pessoas oriundas destas regiões mais afetadas, mas é importante fazer alguma vigilância, o que seria uma estratégia eficaz”, aconselha.
Todavia, frisou que tem de existir uma gestão dos recursos e perceber-se até que ponto se pode fazer uma testagem massiva nas fronteiras.
Em Portugal já existem cerca de 17.000 pessoas vacinadas, que eram do quadro de alto risco do surto de 2022, especifica.
A investigadora salienta ainda que, na sua opinião, “todas as vacinas disponíveis devem ser canalizadas para os países que estão a enfrentar surtos neste momento, mas a dada altura pode fazer sentido vacinar também a população portuguesa e aí também tem de haver uma definição de estratégia de vacinação que identifique os grupos prioritários, nomeadamente os profissionais de saúde, que têm maior probabilidade de contacto com doentes”, conclui.