Mês da Doença de Alzheimer …. Uma reflexão em jeito de página de diário 333

Nos últimos anos tenho vindo a ser convidada a refletir sobre o assinalar do Dia e Mês da Doença de Alzheimer e das demências em geral.

Infelizmente, enquanto médica Geriatra não preciso de esperar por este dia ou mês para me lembrar da demência. Todos os dias me deparo com pessoas que vivem com demência, seja na consulta de Geriatria ou no internamento. Diria mesmo, que por vezes na Consulta de Geriatria há dias em que todos os doentes consultados têm Demência.

Ainda hoje ao dar uma aula de Nutrição em Geriatria a alunos de Medicina do 5º ano foram várias as vezes que interrompi a explicação teórica, para concretizar com exemplos práticos de doentes que vivem com demência e o impacto profundo que a doença tem na sua alimentação e estado nutricional. Mas se estivesse a dar uma aula de incontinência urinária, instabilidade da marcha e quedas, imobilidade, iatrogenia medicamentosa (*), fragilidade (**), ou qualquer outra síndrome geriátrica, muito provavelmente cairia no exemplo dos doentes que vivem com demência também.

Isto porque, de facto, é muito raro que os doentes mais velhos que vivem com demência, só padeçam desta condição…. Vulgarmente têm várias doenças crónicas, várias síndromes geriátricas, tomam vários medicamentos, já apresentam algum grau de dificuldade nas atividades de vida diária, como tomar banho, vestir-se ou tomar uma refeição. Todos estes problemas interagem entre si, influenciando-se mutualmente e de forma exponencialmente negativa, e tornam a demência mais e mais complexa. Digam-no os cuidadores informais, que muitas vezes se sentem abandonados sem saber como lidar com os problemas que vão surgindo. Muitos problemas surgem em cascata – a seguir a um aparece outro, e por aí adiante – e quando este ciclo vicioso não é interrompido, a frágil “pirâmide de cartas” que estas várias condições formam rapidamente se desmorona.

Sou Geriatra, e por isso sou suspeita, mas acredito que os médicos que olham para o todo destas pessoas conseguem evitar (ou pelo menos minimizar) estes ciclos viciosos, conseguem reequilibrar algumas das condições, reduzir o seu impacto para os doentes e seus cuidadores, e até mesmo contribuir para a otimização da capacidade cognitiva. Por exemplo, ajustando o controlo de doenças médicas à situação de demência e aos fármacos que já toma pela demência, diagnosticando e corrigindo problemas nutricionais, identificando doenças crónicas escondidas que podem negativamente interferir com a memória, referenciando a outras especialidades e estimulando estilos de vida saudáveis.

Alguns colegas meus, Neurologistas e Psiquiatras que tradicionalmente seguem as pessoas que vivem com demência, reconhecem a necessidade deste seguimento global, apostando em modelos verdadeiramente interdisciplinares em que os vários profissionais juntam saberes e experiências para o melhor cuidar. Mas como garantir esta necessidade se são tão raras as Consultas de Geriatria no SNS? Pego no lema da campanha deste ano “Never too early, Never to late” para dizer que é verdade que devemos começar a pensar na prevenção da demência desde cedo, ainda na infância, mas essencialmente quero dizer que nunca é tarde demais para procurar o apoio especializado e completo que as pessoas que vivem com demência merecem. Seja uma consulta de Geriatria, o seguimento por um Fisioterapeuta e Terapeuta Ocupacional, sejam as sessões de Estimulação cognitiva, seja até o apoio aos cuidadores informais. A Geriatria será fundamental para a coordenação de todos estes cuidados e para a elaboração de um plano de cuidados coerente e completo, abrangendo a pessoa como um todo.

No momento em que escrevo este ponto de vista, viajo para a Finlândia onde se realiza o Congresso da European Geriatric Medicine Society. Alguns palestrantes de renome daqui oriundos, irão falar sobre o FINGER, um estudo de intervenção para a prevenção do declínio cognitivo e incapacidade, e o primeiro a mostrar que uma intervenção multidimensional focada no estilo de vida é benéfica para a prevenção do declínio cognitivo. A implementação de tais medidas multidimensionais requer profissionais de saúde que abordem a pessoa como um todo, como o Geriatra, o Internista ou o Médico de Família, integrados em equipas interdisciplinares.

(*) ié, os efeitos secundários indesejáveis dos medicamentos
(**) ié, a situação de vulnerabilidade que algumas pessoas mais velhas apresentam em virtude do menor funcionamento dos órgãos, levando a que qualquer intercorrência mínima possa culminar em eventos negativos, como a perda de autonomia, as quedas, ou mesmo a morte

Sofia Duque – Coordenadora do Núcleo de Estudos de Geriatria da SPMI