Ao longo dos tempos assistiu-se a uma tendência geral para “olhar” os alimentos, unicamente, em função do seu perfil nutricional e, muitas vezes, um único nutriente (hidratos de carbono, proteína ou gorduras, entre outros). Esta abordagem tem vindo a ser corrigida para abordagem holística, onde os benefícios e riscos de todos os componentes são realçados.
Desde a mudança de paradigma em relação às funções do intestino, hoje considerado um órgão multifatorial e não apenas um órgão cuja função se limita a absorver os nutrientes durante o processo digestivo. Passando pelo desenvolvimento e aplicação de ferramentas de análise mais holísticas como é o caso da avaliação risco-benefício, até ao surgimento de áreas mais recentes como a nutrigenómica, um longo caminho está a ser feito no sentido de reconhecer e compreender a importância da alimentação como um todo, ao reconhecer e compreender as relações e interações químicas e biológicas que ocorrem entre os componentes dependendo da interação/concentração/eficiência conforme se alteram as proporções dos componentes.
O consumo de alimentos sustentáveis é o motor de estudos holísticos, refletindo nas suas conclusões o abandono da diabolização de alimentos e ou componentes ou, pelo contrário, a sua supervalorização. Assim, no centro da adoção de fontes alternativas de proteína estão as dietas tendencialmente vegetais, onde se inclui necessariamente a dieta mediterrânea.
Os alimentos de base vegetal integram em si outro tipo de componentes como antinutrientes. Quando consumidos em grandes quantidades, estes componentes podem ser tóxicos e, em certas situações, poderão ser letais. Antinutrientes são compostos que interferem na digestibilidade, absorção e utilização dos nutrientes pelo organismo humano. Esses compostos assumem um papel especial nas dietas vegetarianas, porque a maioria deles pode ser encontrada em produtos à base de plantas, pelo facto de derivarem do seu metabolismo secundário. São eles: os fitatos, as lectinas, oxalatos, taninos, fitoestrogénios, goitrogénios, saponinas, inibidores da tripsina, latirogénios, aminas biogénicas e nitratos.
Estes compostos podem ter diferentes efeitos adversos na saúde humana que vão desde inflamar e prejudicar a função intestinal, interferindo na absorção de certos minerais como o cálcio, zinco, ferro e magnésio, passando por diversos sintomas de mal-estar como naúseas, inchaço, flatulência, vómitos e diarreias até efeitos carcinogénicos e neurotóxicos.
A aplicação de diferentes práticas de processamento (extrusão, irradiação, processamento enzimático, aditivos e conservantes) e preparações culinárias (como demolha, fervura, germinação e fermentação) têm sido auxiliares no aumento da biodisponibilidade de nutrientes. Assim, como também, a aplicação de determinadas técnicas de confecção e processamento (como assar, grelhar, fermentar e uso de aditivos) poderão aumentar os níveis destes compostos. Estas constatações têm permitido estudos de cinética mais rigorosos e entusiasmar o estudo do efeito da concentração nutriente/antinutriente na biodisponibilidade.
Contudo, apesar dos seus efeitos adversos, os anti-nutrientes encontram-se associados a inúmeros benefícios como: ação anticancerígena, antimutagénica, antimicrobiana e antioxidante e anticalcificante, controlo da pressão arterial, redução dos níveis de glicose no sangue, função imunológica, crescimento celular, morte celular e regulação da gordura corporal, menor risco de doenças cardiovasculares, obesidade, síndrome metabólica e diabetes tipo 2, cancro da mama, da próstata e do intestino, assim como melhorias da função cognitiva.
Com base na evidência científica, o termo-anti-nutriente está a ser abandonado aproximando esta categoria de componentes aos compostos bioativos vegetais. Por estas razões, o mais importante é monitorizar à luz do axioma de Paracelso, que considera a diferença entre remédio e veneno estar na dose.
Uma monitorização fiável e rigorosa implica medições rastreáveis às Unidades do Sistema Internacional, assim como a aplicação de ferramentas metrológicas. A ciência da medição, dispõe de uma vasta aplicação na área da alimentação e nutrição, que vai desde o uso de balanças, adipómetros e fitas métricas calibradas e rastreadas ao metro ou quilograma padrão até ao uso de materiais de referência e testes de aptidão nos laboratórios onde são realizadas as determinações analíticas para a quantificação dos diferentes componentes alimentares, garantindo precisão e comparabilidade dos valores encontrados.
Desta forma, tendo em conta o importante equilíbrio que é necessário assegurar nas dietas de base vegetal entre nutrientes e anti-nutrientes, a monitorização destes torna-se impreterível, através do desenvolvimento de ferramentas de metrologia específicas para todos os novos produtos associados a esse tipo de dietas. Garantir esse equilíbrio, através da medição em nutrição, é garantir que as doses diárias recomendadas dos diferentes nutrientes são atingidas, trazendo assim segurança e sustentabilidade alimentar para o presente e futuro, dada a actual tendência de adoção das dietas de base vegetal ao nível global.
Ana Serôdio
Nutricionista e Bolseira de investigação do projeto Metrofood-PP no Departamento de Alimentação e Nutrição do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge