A eleição para os Órgão Sociais da Ordem dos Nutricionistas confirmou os receios de uma taxa de participação abaixo do desejável. Mais de metade dos eleitores não exerceu o seu direito de voto e os números da abstenção cresceram em relação às eleições anteriores. À semelhança daquilo que acontece nos atos eleitorais nacionais, há quem goste de apontar o dedo aos que se abstêm, insinuando preguiça, desinteresse ou falta de sentido cívico. Pessoalmente, prefiro pôr-me na pele dos que abdicam de um direito que tanto custou a conquistar. Ninguém opta por não fazer ouvir a sua voz e deixar que sejam outros a escolher por si, sem que tenha boas razões para tal… É por isso que acredito que devemos todos refletir nas causas que podem justificar os números da abstenção e, com isso, tentar fazer alguma coisa para mudar a situação.
Um dos aspetos que salta à vista é o número de boletins de voto postal inválidos. Segundo informação disponibilizada, 220 votos enviados por correio não foram considerados, pois chegaram fora do prazo ou não cumpriram todos os requisitos para serem validados. Custa saber que 173 votos não foram contados porque os votantes falharam nalgum passo do procedimento de voto postal, apesar das instruções publicadas pela Ordem (foi até preparado um tutorial em vídeo). Os restantes 47 votos chegaram fora de prazo, o que constitui também um fator de frustração para todos os que quiseram participar e não viram o seu voto contabilizado. A estes números, já significativos, há que contar ainda o número desconhecido de votos extraviados. Foi o meu caso e o de alguns conhecidos: sabendo de antemão que não poderia votar presencialmente, por me encontrar fora em trabalho, enviei com um mês de antecedência o meu voto por correio. Mas apesar de não ter sido devolvido ao remetente, o envelope com o meu voto também não foi entregue na Ordem… Quantos mais terão estado na mesma situação?
No entanto, para além das razões de ordem operacional no processo de voto, é necessário explorar as causas que levam colegas a decidir nem sequer tentar votar. Entre comentários públicos e diversas conversas particulares, consigo identificar algumas das razões que levaram a maioria dos colegas a não votar:
– Ao contrário do que é frequente dizer-se, os colegas conhecem as atribuições da Ordem e sabem aquilo que pode ou não fazer. Entendem a distinção entre uma Ordem e um Sindicato, razão pela qual acreditam que é limitado aquilo que a Ordem pode fazer nas questões que mais os preocupam. Vagas de emprego, contratos de trabalho ou salários, por exemplo, não são fixados pelas Ordens profissionais. O mesmo acontece com o combate à prática ilegal da profissão de nutricionista. A Ordem pode identificar e denunciar a prática ilegal, assim como sensibilizar a população sobre quem tem legitimidade para exercer a profissão, mas não pode atuar diretamente sobre quem não é nutricionista.
– O tema dos estágios de acesso à Ordem foi bastante discutido na campanha eleitoral. Mas que interesse particular desperta esse tema naqueles que já exercem a profissão e vão votar? Muitos colegas reconhecem a relevância da discussão, mas não percecionam a importância dada ao assunto, sobretudo quando no seu dia-a-dia lidam com outras dificuldades e preocupações.
– O cenário recente de alterações aos estatutos das Ordens profissionais, também deixou apreensivos muitos colegas. Mudanças impostas pelo Governo sem consulta prévia aos profissionais, com prazos incompatíveis com uma discussão profunda e alargada, fizeram muita gente sentir que o centro de decisão de certas matérias pode não passar tanto pela Ordem e pelos seus membros, como seria desejável.
– Por fim, um facto incontornável é o de que muitos colegas acreditam que a Ordem funciona bem. Não estão “desligados” nem “afastados”, simplesmente acham que a Ordem faz o que tem a fazer, e por isso não sentem grande necessidade de intervir. A este respeito, é importante lembrar que o descontentamento é sempre mais ruidoso e mobilizador do que a aceitação de que as coisas estão bem como estão (ou que não justificam grande preocupação).
Podemos sempre argumentar que todos estes motivos não justificam a abstenção. Mas, se mais de metade dos que podem votar não se pronunciam quando têm a oportunidade de o fazer, é urgente encontrar formas de escutar o que esta maioria silenciosa tem para dizer. Se em democracia a última palavra é da maioria, é importante fazer alguma coisa para a conseguirmos ouvir!
Por Rodrigo Abreu
Nutricionista – Managing Partner na Rodrigo Abreu & Associados
Fundador do Atelier de Nutrição