O envelhecimento da população tornou-se um dos principais desafios de saúde pública global (e também de sustentabilidade dos sistemas de saúde). A prevenção de doenças associadas à idade e o prolongamento da esperança de vida saudável são de particular importância. Estima-se que o número de indivíduos com 60 anos, ou mais, duplique até 2050 e que a população com 80 ou mais anos, triplique entre 2020 e 2050.
As publicações científicas sobre ‘microbiota intestinal’ e ‘longevidade’ são já muitas, e mostram, de forma robusta, que esta ligação é um tema nuclear para avanços clínicos. O mês de agosto não foi exceção com publicações sobre este tópico em diferentes revistas internacionais.
O microbiota intestinal emergiu como um novo alvo terapêutico em diversos contextos de doença como a obesidade, o cancro, a diabetes, as doenças neurodegenerativas, as doenças autoimunes entre muitas outras, incluindo o envelhecimento como processo fisiológico. O conhecimento molecular das alterações que ocorrem ao longo da vida, quer por processo ‘natural’ do envelhecimento, quer no ‘patológico’ provocadas por diferentes fatores associados ao estilo de vida (alimentação inadequada, sedentarismo, stresse, problemas de sono, tabaco, etc) ou mesmo a exposição a antibióticos, ajudam a desenhar estratégias de intervenção clínica. Mais, quando se estudam populações de centenários, em particular quando conhecemos melhor as características do microbiota intestinal, ficamos com informação que ajuda a identificar medidas preventivas para um envelhecimento saudável ou de intervir no envelhecimento patológico, através de estratégias dirigidas ao microbiota intestinal.
Não sendo o envelhecimento uma doença, sendo a longevidade uma oportunidade e a nutrição um fator determinante para modular mecanismos moleculares associados quer ao envelhecimento quer à prevenção da doença nos mais anos de vida, devemos considerar 3 factos: em primeiro lugar, o microbiota intestinal tornou-se claramente um alvo relevante na modulação do estado de saúde e da esperança de vida, e as suas alterações estão intimamente relacionadas com a idade.
Em segundo lugar, é uma prioridade clínica conhecer biomarcadores do microbiota relacionados com o envelhecimento e discutir possibilidades futuras de utilização de dietas/compostos presentes na dieta direcionados para biomarcadores do microbiota que se relacionam com o envelhecimento, promovendo o que se chama de ‘envelhecimento saudável’. Em terceiro lugar, a intervenção clínica pode efetivamente melhorar o desequilíbrio do microbiota intestinal (disbiose) relacionado com o envelhecimento, como probióticos, prebióticos e pós-bióticos, ou mesmo transplante de microbiota intestinal.
Por exemplo, sabe-se que com o aumento da idade, a proporção de bactérias benéficas (Prevotella copri e Coprococcus eutactus) diminui, enquanto a de espécies patobiontes (Bacteroides fragilis e Clostridium hathewayi) aumenta. Mais, sabe-se que ao longo da vida, no ‘envelhecimento saudável’ o microbiota intestinal é caracterizado principalmente pela perda de comensais dominantes (como Faecalibacterium, Lachnospira, Prevotella, Coprococcus, Eubacterium rectale e ainda do género Bifidobaterium), que são substituídos por espécies patogénicas (como Eggerthela, Biophila, Fusobacteria, Streptococcus e Enteroberiaceae).
No envelhecimento “patológico” (especialmente nas doenças relacionadas com a idade), a perda de comensais dominantes é substituída por bactérias patogénicas e o microbiota que se presume ser benéfico é perdida de forma ainda mais acentuada e expressiva. Além disso, sabe-se também que cerca de 11 vias metabólicas (incluindo a via de degradação do L-triptofano) também foram associadas negativamente ao Índice de Fragilidade, o que pode ser agravado quando temos disbiose ao longo da vida. A produção de L-triptofano, indol e espermidina diminui enquanto a produção de metabolitos como o LPS, aumenta. Um “microbiota idoso” tende a acumular mais metabolitos relacionados com doenças relacionadas com a idade, tais como colina, trimetilamina, N8-acetilspermidina, enquanto aqueles relacionados com um “microbiota saudável” tendem a acumular metabolitos benéficos como o ácido cólico e ácido taurocólico. As alterações fisiológicas, por exemplo, ao nível da mastigação, da produção de saliva afetam a digestão, o que vai afetar o microbiota intestinal. Sabemos que alterações ao nível do muco, da integridade do epitélio digestivo (por exemplo menor expressão de proteínas como a E-caderina e a ocludina), afetam o microbiota intestinal e, por isso, a inflamação e a senescência.
Ao longo da vida as células do sistema imunológico sofrem alterações funcionais, mais do que de número. Por exemplo os macrófagos perdem capacidades bactericidas. Claramente temos aqui um cruzar com o tema da vitamina D, sabendo que ela, mais concretamente a forma ativa de calcitriol, tem efeitos genómicos e que em particular é necessária para que exista tradução do sinal entre a ativação dos TOLL-like receptors (em infeção bacteriana ou vírica) e a autofagia. Ou seja, existe uma ativação dos recetores sem ser possível a resposta de autofagia quando existe deficiência de vitamina D.Bactérias benéficas como Bifidobacterium longum e intervenções alimentares, por exemplo, com compostos como a baicalina, genisteína, GOS e FOS, oligossacarídeos do leite humano (HMOs) entre outros, mostraram vantagens sobre a relação entre microbiota intestinal e envelhecimento. Apesar da evidência sobre a baicalina ser ainda preclínica, é muito promissora considerando as evidências sobre a disfunção mitocondrial, afinidade para recetores GABAérgicos e efeitos anti-inflamatórios. Por exemplo, sabe-se que Bifidobacterium longum, por ativação dos recetores TLR-2, aumenta a expressão de proteínas como claudina-1 e zonulina-1, e ainda aumenta a produção bacteriana de arginina, o que apresenta um potencial efeito benéfico no envelhecimento.
Do ponto de vista clínico, a restrição calórica, jejum intermitente, dieta mediterrânica, alteram de forma significativa a presença de Bifidobacterium e Lactobacillus e metabolitos como sarcosina e dimetilglicina, por exemplo, o que atenua o declínio cognitivo associado à idade.
Toda a evidência conhecida hoje mostra a oportunidade da nutrição e a importância dos nutricionistas para um objetivo de saúde: ‘envelhecimento saudável’ e que a intervenção faz sentido ser desde cedo, se não mais, reconhecendo o papel dos primeiros 1000 dias de vida na formação do órgão microbiota intestinal e, já agora, da sua proximidade à formação do sistema imunológico. Mais, um microbiota intestinal que teve uma correta trajetória neste período tona-se mais resiliente ao longo da vida. Ou seja, numa estratégica de intervenção ao longo da vida para potenciar a oportunidade da longevidade. Na medicina, sublinha-se a esperança de uma prescrição médica de antibióticos acompanhada de uma preocupação clínica em monitorizar impacto no microbiota intestinal pela responsabilidade, quer da multirresistência aos antibióticos, como e sobretudo as alterações metabólicas associadas à disbiose provocada pela antibioterapia, como vem reforçada na literatura mais recente publicada na revista Nature. A prescrição de probióticos (os que apresentam evidência clínica) com o antibiótico está ainda longe do que seria desejável.
Conceição Calhau
Professora Catedrática de Bioquímica, NOVA Medical School, Universidade NOVA de Lisboa
Nutricionista, especialidade Nutrição clínica, 0572N