Listeriose – Uma doença grave de origem alimentar 444

Por Rita Batista (Unidade de Investigação e Desenvolvimento, Departamento de Alimentação e Nutrição, Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge) e Maria João Barreira (Laboratório de Microbiologia, Unidade de Referência, Departamento de Alimentação e Nutrição, Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge).

 

As bactérias do género Listeria estão disseminadas no meio ambiente, podendo ser encontradas no solo, água, vegetação e trato digestivo dos animais. Como resultado da sua ubiquidade e capacidade de sobrevivência podem entrar na cadeia alimentar e contaminar uma vasta diversidade de géneros alimentícios. Apesar de na última década ter aumentado a identificação de novas espécies de Listeria, isoladas de diferentes ambientes, a Listeria monocytogenes continua a ser a principal causa de infeção por Listeria no Homem, podendo causar doença grave.

A listeriose, apesar de relativamente rara na população em geral, é uma doença com uma alta taxa de hospitalização e de letalidade, quando comparada com infeções causadas por outras bactérias de origem alimentar. É essencialmente provocada pelo consumo de alimentos contaminados com L. monocytogenes e pode originar, em pessoas saudáveis, sintomas leves semelhantes aos da gripe, assim como diarreia (listeriose não invasiva). Contudo, em casos raros, a infeção pode tornar-se invasiva em consequência da bactéria atravessar a parede intestinal, espalhando-se por todo o corpo (listeriose invasiva).

A listeriose invasiva é rara, mas é uma doença com consequências graves que envolve risco de vida, podendo ocorrer septicemia (infeção do sangue), danos cerebrais com efeitos no cérebro e no sistema nervoso (meningite, meningoencefalite), abortos espontâneos, nados mortos ou partos prematuros. Ocorre em segmentos específicos da população, como idosos, mulheres grávidas (podendo a infeção atingir o feto), recém-nascidos e imunocomprometidos (entre outros, pessoas com transplantes de órgãos, a fazer tratamentos que afetam o sistema imunitário e com SIDA), doentes com cancro ou com diabetes.

Entre 2018 e 2022 foram reportados, pela European Food Safety Authority (EFSA), na Europa, 121 surtos alimentares causados por L. monocytogenes, que originaram 1129 casos humanos de doença, 779 hospitalizações e 125 mortes (50,4% do total de mortes ocorridas em surtos de origem alimentar reportadas neste período).

A Listeria tem a capacidade de se multiplicar em temperaturas de refrigeração e de resistir a condições habitualmente adversas para os microrganismos em geral, tais como ambientes com défice de água, ambientes ácidos e com elevado teor de sal. Sendo capaz de se fixar em superfícies formando comunidades de bactérias (biofilmes), a Listeria tira proveito da vida coletiva para resistir a adversidades. No entanto, estas capacidades variam entre os diferentes genótipos.

A capacidade de produzir biofilmes exige a adoção de práticas de higiene rigorosas e eficazes nas superfícies do ambiente de processamento alimentar. Os alimentos prontos a consumir mais frequentemente associados à contaminação com L. monocytogenes são os produtos lácteos produzidos com leite cru, queijos frescos e de pasta mole, produtos de charcutaria fatiados, patês, peixes fumados, sandes e saladas pré-embaladas, frutos pré-cortados e sumos de frutos sem tratamento térmico, alimentos prontos para consumir preservados em refrigeração por longos períodos de tempo.

A sequenciação total do genoma (WGS) das estirpes de L. monocytogenes isoladas, e a sua integração na coleção WGS do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge e no Repositório da EFSA permite, através da interoperabilidade entre estes sistemas e o do European Centre for Disease Prevention and Control (ECDC), a deteção de clusters entre as estirpes de L. monocytogenes isoladas em alimentos, no ambiente e em humanos. Esta metodologia permite estabelecer links epidemiológicos, contribuindo para desencadear investigações de casos e surtos, de forma que sejam identificadas cadeias de transmissão. Esta técnica permite, ainda, por exemplo, conhecer as características genéticas das L. monocytogenes que persistem em biofilmes e a sua tolerância aos desinfetantes de forma a implementar medidas de controlo e prevenção adequadas na cadeia de processamento alimentar.

São regras básicas de ouro para evitar doenças associadas a microrganismos transmitidos por alimentos, as seguintes recomendações, tendo por base as “Cinco Chaves para uma Alimentação mais Segura”, da Organização Mundial da Saúde:

  • Mantenha a limpeza das mãos, utensílios, superfícies e equipamentos, não esquecendo o frigorífico;
  • Separe os alimentos cozinhados dos crus, porque todos os alimentos crus podem conter Listeria;
  • Cozinhe bem os alimentos e reaqueça-os a uma temperatura acima dos 70 °C;
  • Mantenha os alimentos a temperaturas seguras (abaixo de 5 °C ou acima de 60 °C). Siga a regra das 2 horas: rejeite os alimentos que forem deixados à temperatura ambiente por mais de 2 horas. Quando a temperatura ambiente for superior a 30 °C, rejeite-os logo após 1 hora. Leia com atenção e cumpra sempre as temperaturas e prazos de utilização indicados nos rótulos dos alimentos.
  • Utilize água e matérias-primas seguras.
  • Se pertence a um dos grupos de risco anteriormente mencionados escolha alimentos seguros para proteger a sua saúde, não consumindo: carne, peixe, ovos e leite crus, produtos lácteos feitos com leite cru, queijos de pasta mole (ex. queijo fresco, brie, camembert), produtos fumados, produtos de charcutaria fatiados, todos os alimentos preservados em refrigeração durante longos períodos de tempo e que não são submetidos a tratamento térmico antes do consumo.