Lições da COVID-19 1928

Nas aulas que dou aos futuros nutricionistas, gosto de lhes lançar uma pequena provocação: aqueles que querem “apenas” dar consultas já estão desempregados, mas ainda não sabem. É uma forma de promover a reflexão sobre as perspetivas de futuro para quem quer basear a sua atividade na prática clínica. De facto, torna-se cada vez mais desafiante transmitir o valor da intervenção do nutricionista num contexto onde a informação sobre nutrição abunda por todo o lado (na maioria das vezes incorreta, é certo, mas sem que os nossos clientes tenham sempre noção disso) e onde apps, algoritmos e sistemas de inteligência artificial prometem dar resposta rápida e cómoda às nossas funções. Como se tudo isso não bastasse, a recente pandemia de COVID-19 trouxe consigo desafios adicionais. É talvez a altura certa para tirar algumas lições…

Comecemos pelas consultas à distância. Perante o cenário de se verem privados da sua fonte de rendimentos, muitos colegas passaram de imediato a disponibilizar consultas à distância. E embora alguns já as fizessem, esta aceleração na transição para as teleconsultas levanta uma série de questões, algumas delas oportunamente reforçadas pela Ordem dos Nutricionistas: como salvaguardar a privacidade e confidencialidade da consulta? Como garantir a fidedignidade da informação recolhida, nomeadamente na avaliação nutricional? Quem fica responsável pelos dados pessoais do utente, quando as consultas deixam de ser realizadas numa clínica ou estabelecimento? E há horários razoáveis para aceitar dar consultas? Num cenário de transição forçada, terão todos os colegas as condições para respeitar estas indicações?

Outra questão que se levanta é a do “peso” dos nutricionistas no sistema nacional de saúde, que inclui não só o serviço nacional de saúde, mas também os prestadores privados. Sem o protagonismo que outros profissionais estão a ter (pelas razões tristemente inerentes a esta pandemia), que margem haverá para num futuro próximo reclamar mais nutricionistas nos cuidados de saúde primários ou hospitais? E perante um cenário tão dramático como o observado em Itália e Espanha (que até agora não se verifica em Portugal), que reconhecimento haverá para o contributo dado pelos nutricionistas? Não havendo nenhuma recomendação alimentar ou nutricional específica para a COVID-19, é preciso a serenidade e seriedade para colocar a capacidade profissional ao serviço do interesse público. Um bom exemplo é o manual publicado pela DGS, que nos ajuda a não esquecer que a alimentação é mais do que apenas o papel do alimento A ou B…

E por falar de indicações alimentares, que dizer dos chamados influencers? Mal o novo coronavírus chegou à Europa, a busca por mediatismo levou diversas estrelas das redes sociais a publicar recomendações de “super-alimentos para reforço do sistema imunitário”. Medo de uma doença desconhecida, mais tempo livre para vaguear nas redes sociais e gente em busca de protagonismo são um cocktail explosivo de desinformação, que representa um desafio para os nutricionistas. Mais que nunca, é imperativo mantermos o bom senso e validade científica nas nossas publicações: posts exóticos podem dar mais likes, mas uma coisa é saber que certos nutrientes são necessários ao normal funcionamento do sistema imunitário, outra é recomendar o seu consumo ou suplementação para reforçar a imunidade!

Rodrigo Abreu
Nutricionista
Managing Partner na Rodrigo Abreu & Associados
Fundador do Atelier de Nutrição