Legislativas 2024: O que reivindicam os nutricionistas? 1483

Num ano marcado pelas eleições ao Parlamento Europeu, juntam-se dois sufrágios antecipados que pintam um cenário de grande instabilidade em Portugal. Depois dos votos dos açorianos no início do mês, com um parco garante de governabilidade em maioria, todos os cidadãos nacionais, no país e no Mundo, escolhem o próximo Governo da República.

Na esperança da configuração de um Executivo capaz de cumprir uma legislatura completa mediante um compromisso de solidez política, a VIVER SAUDÁVEL (VS) quis saber quais são as prioridades que não podem passar despercebidas aos decisores políticos na área da Nutrição. Dos profissionais aos estudantes, passando pela Indústria Alimentar e a componente técnico-científica, o que reiteram os nutricionistas?

Mais profissionais e maior reconhecimento

Os últimos anos foram desafiantes para as populações, com uma pandemia que “trouxe consigo um elevado número de morbilidade e mortalidade, afetando diretamente indivíduos obesos, com doenças crónicas e fatores de risco relacionados com a alimentação”, explica Liliana Sousa, bastonária da Ordem dos Nutricionistas (ON).

À VS, questionou a “efetividade das medidas que têm vindo a ser tomadas” no que diz respeito aos hábitos alimentares, apontando um “afastamento progressivo” do padrão alimentar mediterrânico. Por isso, é necessária uma “aposta pública clara na Nutrição”, uma vez que quando os nutricionistas não estão presentes, torna-se “evidente o risco de insucesso de qualquer medida concreta que se pretenda implementar”.

O reconhecimento dos “profissionais mais qualificados do ponto de vista de conhecimento e preparação técnica para a garantia de mais saúde nutricional” é então uma prioridade. Ao novo Executivo, exige-se um “investimento nestes profissionais na área da alimentação coletiva, passando pelas escolas e municípios, sem esquecer o importante peso para a Sociedade da prestação direta de cuidados de saúde, devendo ser reconhecida a necessidade de nutricionistas nas diferentes realidades”. O setor social, reforça, apresenta uma “clara carência”.

Ao admitir ter sentido, ao longo da sua carreira, uma falta de consciencialização coletiva do “verdadeiro impacto que a alimentação assume na saúde da população”, assegura que enquanto bastonária se compromete a dar voz a esta prioridade. São necessárias políticas alimentares e nutricionais, diz Liliana Sousa, nas áreas da promoção de escolhas alimentares saudáveis e sustentáveis, focadas em grupos vulneráveis.

Sustentabilidade e literacia alimentar 

Enquanto oportunidade para “recomeços”, o novo Governo deve “dar continuidade a ações e projetos”, considera, por sua vez, Célia Craveiro. A presidente da Associação Portuguesa de Nutrição (APN) identifica três dimensões prioritárias para a população a reforçar durante a próxima legislatura.

Em primeiro lugar, a promoção da alimentação saudável, particularizada no reforço da prevenção de doenças crónicas não transmissíveis, através da alimentação e nutrição. Para que tal aconteça, aponta o “reforço no acesso, cada vez mais generalizado, aos Serviços de Nutrição no Serviço Nacional de Saúde (SNS), com óbvio reforço nacional de nutricionistas no SNS”. O aumento da literacia alimentar, “que confere à sociedade um conhecimento, que não detém, para uma escolha informada”, também deve ser um objetivo para o Governo.

O “chavão de intenção” que é a sustentabilidade alimentar, continua, “é de relevante importância para qualquer Executivo”, que assim deve “salvaguardar que a sua ação no imediato tenha um impacto positivo já nesta geração”. Nestas três dimensões, deixa claro, a APN “posicionar-se-á, como associação de apoio na componente técnico-científica, conciliadora de toda a cadeia de valor da alimentação e com uma disponibilidade em auxiliar”.

Também Maria Manuel Velosa identifica como “crucial o aumento das oportunidades de integração de nutricionistas no SNS, no setor social e nas autarquias”. A presidente da Associação Nacional de Estudantes de Nutrição (ANEN) atesta que “este é um passo fundamental para a atenuação das dificuldades no acesso ao emprego, promovendo, simultaneamente, a melhoria da prestação de cuidados de saúde em Portugal”.

Elevado espírito de cooperação 

Para lá da classe profissional no terreno, também a indústria portuguesa agroalimentar olha com atenção para as eleições de dia 10 de março. À VIVER SAUDÁVEL, o diretor-geral da Federação das Indústrias Portuguesas Agro-Alimentares (FIPA) alerta para a necessidade de “garantir um elevado espírito de cooperação e união em prol da competitividade e da sustentabilidade da indústria portuguesa, nas dimensões económica, ambiental e social”.

Pedro Queiroz apresenta sete áreas preponderantes a ter em conta pelo Governo. Passam pela “adequação da política fiscal à competitividade através do enquadramento dos produtos alimentares na taxa reduzida do IVA”, pela eliminação ou redução dos impostos especiais ao consumo, e pela redução da dependência externa no abastecimento de matérias-primas, ao colocar Portugal num patamar de maior capacidade de exportação.

A “autorregulação na construção de envolventes promotoras de escolhas saudáveis, nomeadamente ao nível da reformulação nutricional, da publicidade e da informação ao consumidor” é para manter. E deve-se focar os estilos de vida saudáveis, “afastando de vez expressões negativas sem qualquer suporte (alimentos nocivos) e perceções negativas sobre ingredientes-chave (edulcorantes), quando estes estão devidamente escrutinados pela Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA)”.

Igualmente relevante é a identificação das barreiras “à reciclabilidade e à circularidade das embalagens”, a implementação do Sistema de Depósito-Reembolso (SDR) “assente num modelo de gestão eficiente e eficaz”, e a promoção da reutilização de embalagens “desde que num contexto de racionalidade ambiental, social, económica e científica”. Neste contexto, a adequação dos programas de apoio – com o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e o Portugal 2023 à cabeça – à “atividade transformadora agroalimentar” é necessária.

O que esperar dos ministérios da Saúde e da Alimentação?

A substituição de Manuel Pizarro enquanto ministro da Saúde foi também questionada junto dos representantes. Liliana Sousa é taxativa ao pedir que o novo responsável pela pasta “tenha a capacidade de ver o investimento nestes profissionais como um ganho e não como um custo, como, infelizmente, tem vindo a acontecer”. A bastonária da ON espera um nome com “uma visão clara sobre o papel dos nutricionistas na Sociedade e na saúde dos cidadãos”, com uma presença forte em todas as equipas multidisciplinares na área.

Independentemente da personalidade escolhida, a ON proporá “uma agenda de trabalho regular” para discutir questões de interesse, tais como a contratação de mais profissionais, a valorização das carreiras no SNS e a criação da carreira especial de nutricionista, “há muito desejada e de elementar justiça para os colegas que se encontram dispersos em três carreiras distintas e desiguais”, acrescenta ainda a bastonária eleita em 2023.

O próximo responsável pela pasta da Saúde “terá uma tarefa difícil”, acredita, por sua vez, Célia Craveiro. Em particular no que diz respeito à reorganização do SNS, uma vez que o deve tornar mais “mais ágil, adaptativo e no que à Nutrição diz respeito, mais universal, algo que ainda não acontece”. No que há saúde pública diz respeito, há que ter uma visão 360º, diz ainda. “Nessa visão 360º, a Nutrição não pode estar no canto do olho”, devendo então ser “prioritária, priorizada e incrementada com recursos”.

A abertura para a auscultação e discussão das propostas dos futuros profissionais deve igualmente fazer parte das valências do próximo ministro da Saúde. Para Maria Manuel Velosa, a reorganização do SNS, com as Unidades Locais de Saúde, constitui “uma oportunidade crucial para a ampliação do quadro de nutricionistas”.

Finalmente, Pedro Queiroz pede que o Ministério da Agricultura e Alimentação “mantenha a atual designação, dando a devida importância a toda a cadeia de abastecimento”. Bem como que o próximo titular da pasta “seja um verdadeiro coordenador das políticas agroalimentares nacionais, o principal interlocutor com os parceiros públicos internacionais e um defensor de políticas assentes na evidência científica e rejeite medidas experimentalistas e pouco sustentadas do ponto de vista da sua eficiência e eficácia, como infelizmente temos por vezes assistido”.

As Eleições Legislativas acontecem no próximo dia 10 de março. As inscrições para o voto antecipado em mobilidade, a acontecer no dia 3 de março, já se encontram abertas.