O jejum intermitente, com hidratação adequada, é eficaz para perder massa gorda e aumentar rendimento físico no exercício de resistência cardiorrespiratória e provoca menos perda de massa isenta de gordura do que as dietas de restrição calórica, concluíram investigadores portugueses.
“Só não há perda de massa isenta de gordura, se a pessoa tiver o cuidado de acompanhar o jejum intermitente [em que nas 24 horas do dia há uma janela de alimentação e outra de jejum, mas com hidratação], com a prática de exercício físico. Se a isso juntarmos um aporte calórico-proteico adequado, existe evidência preliminar de que além de travar a perda de massa isenta de gordura conseguem-se aumentar os seus valores”, explicou à agência Lusa Gonçalo Vilhena de Mendonça, investigador do Laboratório de Função Neuromuscular da Faculdade de Motricidade Humana.
O investigador, que orientou este trabalho, adiantou que a estratégia usada no jejum intermitente, salvaguardando um estado de hidratação ajustado, “resulta em benefícios do ponto de vista da resistência cardiorrespiratória que são materializados num aumento da potência aeróbia máxima, o que pode ser vantajoso para pessoas que pretendem melhorar o seu rendimento em modalidades como corrida ou ciclismo”.
Gonçalo Vilhena Mendonça acrescenta que se verifica também uma perda de massa gorda, associada à redução da massa corporal, e que estes efeitos benéficos ao nível da composição corporal “podem ser potenciados ainda mais quando o exercício físico é praticado em paralelo com o jejum intermitente”.
Contudo, alerta que o jejum intermitente deverá ser praticado mediante aconselhamento nutricional especializado, uma vez que existem algumas contraindicações que deverão ser criteriosamente identificadas (intolerância individual, hipoglicemia persistente, diabetes do tipo I, insuficiência renal, etc).
O especialista é um dos investigadores que realizaram uma meta-análise que incluiu mais de 100 estudos publicados nesta área sobre os efeitos do jejum intermitente na composição corporal (massa corporal, massa gorda e massa isenta de gordura) e no rendimento físico.
Este trabalho concluiu, também, que no jejum intermitente acompanhado por desidratação, como, por exemplo, o que é feito por altura do Ramadão, apesar de haver perda de peso, esta acompanha-se de um “decréscimo evidente” no rendimento físico em esforços de resistência cardiorrespiratória, um efeito negativo que se deve à não ingestão de líquidos ao longo do dia.
O especialista explicou, ainda, que os resultados benéficos do jejum intermitente com hidratação “ao nível da resistência cardiorrespiratória – a capacidade de o organismo ter melhor esforço prolongado ao longo do tempo”, se devem “a um benefício ao nível do tecido muscular”.
“O tecido muscular tem uma espécie de fábricas produtoras de energia, que se chamam mitocôndrias, e esta estratégia nutricional é eficaz pois aumenta o número destas fábricas de energia. O músculo fica com mais mitocôndrias e, portanto, com mais capacidade de gerar energia do ponto de vista aeróbico, tornando-se num tecido mais resistente, mais respirável, o que tem um benefício ao nível da resistência (..) ao esforço físico”, explicou.
Questionado sobre se se deve fazer exercício na janela do jejum, ou na de consumo alimentar, Gonçalo Vilhena de Mendonça afirmou: “o maior benefício ao nível da capacidade cardiorrespiratória, por exemplo, nas corridas ou no ciclismo, é atingido se o exercício for praticado em jejum”.
“Mesmo para quem quer perder massa gorda, o consumo alimentar prévio ao treino inibe a degradação de gorduras e privilegia a participação dos hidratos de carbono no dispêndio energético, dificultando a perda de massa gorda”, acrescentou.
Embora existam poucos dados ao nível do treino da força, para se preservar massa isenta de gordura durante a prática de jejum intermitente, faz mais sentido que as sessões de exercício sejam agendadas para os períodos compatíveis com a janela de consumo alimentar, frisou.
O jejum intermitente pode ser feito de diversas formas: jejum alternado de dia-para-dia (24 horas de consumo alimentar seguidas de 24 horas com restrição limitada a cerca de 500 kcal), jejum 5:2 (semana com cinco dias de consumo alimentar “normal” e dois dias não consecutivos com restrição limitada a cerca 500 kcal), e a abordagem menos radical e com maior número de adeptos: oito horas diárias de janela alimentar (entre 13 e 21 horas) e 16 de jejum calórico (restante período do dia). Em qualquer dos casos podem ser ingeridos líquidos sem valor calórico (água, café e chá).
O investigador defende que o facto de poder orientar a janela alimentar para períodos diurnos, em que a pessoa está mais ativa, afastando a janela alimentar dos períodos mais passivos do dia, “faz mais sentido de acordo com os nossos ritmos circadianos” e que o ser humano “está mais programado” para esta situação do que para ter livre acesso a alimentos com elevado teor calórico a qualquer altura do dia.
“No modelo animal, existe evidência de que o jejum intermitente atrasa o envelhecimento. Os animais analisados viveram mais tempo submetidos ao jejum intermitente. Há menos divisões celulares e, por isso, as células envelhecem mais devagar, motivo pelo qual, este perfil alimentar pode, eventualmente, contribuir para uma melhor qualidade de vida”, afirmou.
Gonçalo Vilhena de Mendonça aponta ainda outros benefícios do jejum intermitente: por exemplo, aumento da sensibilidade periférica aos efeitos da insulina e melhoria do perfil de colesterol sérico.
Este trabalho contou com a participação de investigadores do Laboratório de Função Neuromuscular inserido no Centro de Interdisciplinar de Estudo da Perfomance Humana da Faculdade de Motricidade Humana, Universidade de Lisboa, do Centro de Investigação em Desporto, Educação Física, Exercício e Saúde, da Universidade Lusófona, e do Laboratório de Nutrição da Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa.
As duas meta-análises podem ser consultadas publicamente em https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fnut.2020.625240/full e em https://www.mdpi.com/2072-6643/12/5/1390.