A prevalência de obesidade, complicações associadas e as taxas de mortalidade devido a doenças crónicas, como sejam as doenças cardiovasculares, cancro ou diabetes, estão constantemente a aumentar. Já em 2014 2,1 mil milhões de pessoas tinham excesso de peso. 850 milhões estavam subnutridas. Em 2030 espera-se que metade da população mundial tenha excesso de peso. Enquanto que em 2010 a fome e a subnutrição foram responsáveis em conjunto pela morte de 1 milhão e a obesidade matou 3 milhões. Para se compreender o impacto de hábitos alimentares inadequados no quadro das doenças crónicas dos últimos 50 anos, veja-se o que escreveu o autor Yuval Harari no seu livro Homo Deus, ‘os terroristas em 2010 mataram 7697 pessoas. Para o americano ou europeu a coca-cola representa uma arma mais mortífera que a Al-kaeda.’ Em 2019, dados do estudo Global Burden of Disease mostram que 11 milhões mortes , em 2017, foram atribuídas a fatores de risco alimentares. Onde se destacam o elevado consumo de sódio e o baixo consumo de cereais integrais e de fruta como os principais fatores de risco não só para estas mortes, como também para a perda de anos de vida saudável. Recorde-se que Portugal é um dos países com menor número de anos de vida saudável depois dos 65, apesar de apresentar uma esperança média de vida à nascença superior à média dos restantes países da OCDE.
Não é novidade e é sobejamente conhecido e reconhecido o papel que alimentação e a nutrição desempenham na promoção da saúde e prevenção da doença. Contudo, não estamos conseguir transmitir eficazmente esta mensagem ou pelo menos a conseguir concretizá-la na mudança de comportamentos por parte da população.
O conhecimento das Ciências da Nutrição envolve uma série de diferentes áreas científicas como sejam a bioquímica, a morfologia, a fisiologia, a fisiopatologia, a genética, a farmacologia, a epidemiologia, a psicologia entre outras. A complexidade inerente e o seu desenvolvimento constante, poderão desencadear o surgimento de diferentes mitos, muitas vezes propagados e amplificados também por profissionais de saúde. Parte da ineficácia na transmissão eficaz da mensagem do papel determinante da alimentação na saúde, deve-se ao facto de não haver formação (estruturada) em Nutrição e Alimentação Humanas no currículo dos diferentes profissionais de saúde. Por isso, vale a pena relembrar que quer a complexidade do assunto, quer o ruído existente e, mais ainda, a formação incompleta dos profissionais de saúde são oportunidade únicas para intervirmos no aumento da literacia nutricional e capacitação dos demais profissionais para juntos promovermos a saúde da população.
Enquanto profissionais de saúde especializados em Ciências da Nutrição temos o dever de não só esclarecer os diferentes mitos, como também de contribuir para a formação e capacitação na transmissão de recomendações simples por parte de outros profissionais de saúde. Em última instância, melhorar o ensino da Nutrição e Alimentação Humanas é uma prioridade, para que possamos trabalhar em conjunto, como verdadeiras equipas multi e transdisciplinares, para que todos possam contribuir para a implementação de mudanças no comportamento alimentar e de estilos de vida, sustentadas pela mais recente evidência científica.
Melhorar a formação passa por ensinar não somente ‘o que fazer’, mas sobretudo ensinar a ‘como fazer’ e capacitar os profissionais de saúde para que eles próprios consigam ensinar a ‘como fazer’. A evidência mostra-nos que a integração do ensino das ciências básicas e específicas, com o ensino hands-on, transpondo as recomendações nutricionais em recomendações alimentares práticas e concretas, é uma forma mais eficaz para a mudança de comportamentos. Importante, dado que, por exemplo, num trabalho recente os alunos de medicina com melhores hábitos alimentares são aqueles que reportam ter maior confiança para o aconselhamento alimentar.
A nossa escola médica, NOVA Medical School, aposta no ensino transversal, na investigação e na inovação, permitindo a transferência para a comunidade de serviços que contribuem para a melhoria dos estilos de vida. Por isso inaugurou em 2020 o LIA – Laboratório de investigação alimentar, um espaço para a aprendizagem de competências práticas, assentes na evidência atual sobre o papel que os alimentos desempenham na saúde e no controlo de doenças e que pretende dar resposta às necessidades pedagógicas de diferentes grupos, incluindo os profissionais de saúde.
Não esqueçamos que juntos vamos mais longe pela saúde dos portugueses.
Inês Barreiros Mota
Nutricionista (3718N) e Técnica Superior NMS-UNL
Investigadora Comprehensive Health Research Centre (CHRC)