Um grupo de investigadores, entre eles um português, desenvolveram uma ‘checklist’ que garanta todos os dados necessários para reproduzir com eficácia e segurança a psicoterapia com psicadélicos, tentando acelerar a análise pelos reguladores e a aprovação dos tratamentos.
Esta ‘checklist’ resultou de uma investigação publicada na The Lancet Psychiatry, desenvolvida por especialistas da Fundação Champalimaud e do Centro Médico Universitário de Gröningen (UMCG), que encontrou falhas na forma como é descrita a psicoterapia dos tratamentos com psicadélicos.
Os investigadores consideram que estas lacunas podem dificultar a aplicação deste método com eficácia e segurança, chamam a atenção para a urgência de haver descrições mais padronizadas nestas intervenções psicoterapêuticas e propõem uma ‘checklist’ de tudo o que é preciso descrever em projetos futuros.
“A questão que se coloca é ao nível da definição do protocolo e ao nível da descrição suficiente para se poder cumprir o protocolo”, explicou à Lusa Albino Maia, investigador da Fundação Champalimaud e um dos autores do estudo, citado pela Lusa.
A psicoterapia com psicadélicos tem vindo a ganhar terreno enquanto abordagem promissora para tratar doentes com perturbações psiquiátricas quando os tratamentos convencionais são insuficientes.
Estas substâncias – como a psilocibina (encontrada nos ‘cogumelos mágicos’), MDMA (mais conhecida como ‘ecstasy’), LSD (conhecida como ‘ácido’) e a ayahuasca (usado como chá) – já mostraram potencial no tratamento de perturbações depressivas, stress pós-traumático ou dependência de algumas drogas.
Apesar do interesse crescente, até à data, nenhuma grande agência reguladora aprovou os psicadélicos para uso médico específico.
Por isso, o acesso a estes tratamentos permanece limitado a ensaios clínicos, prescrições ‘off-label’ (uso para outro fim diferente daquele para o qual foi aprovado) ou programas de acesso especial.
No Serviço Nacional de Saúde, já há hospitais a fazer tratamentos com uso de substâncias psicadélicas, por exemplo, para casos de depressão resistente.
Os investigadores realizaram uma revisão sistemática de 45 estudos envolvendo 1.464 participantes, para avaliar quão bem as intervenções psicológicas foram relatadas.
À Lusa, Albino Maia explicou que quando a descrição da intervenção psicoterapêutica é insuficiente, não se consegue perceber “se os instrumentos para aplicação de um protocolo padrão existem” e quem quiser reproduzir o que está descrito “não tem instrumentos para o fazer”.
O investigador sublinhou também a importância da eficiência e, sobretudo, segurança nestes tratamentos: “Estamos a falar de substâncias que provocam alterações do estado da consciência e que, como tal, têm um impacto extraordinariamente importante sobre a fragilidade que é induzida no indivíduo”.
Reconheceu que nalguns domínios “a descrição é um bocadinho melhor”, dando como exemplo o tratamento da perturbação de stress pós-traumático com MDMA: “Por detrás desses estudos há um único promotor e um único manual”, justifica.
Neste caso, uma vez que era usado o mesmo manual nos diversos estudos, “os procedimentos eram mais parecidos (…) e a qualidade do reporte era melhor”.
“Mas mesmo essa, não era uma qualidade de reporte muito boa, era média”, explicou, acrescentando que “continuavam a faltar muitos elementos”, o que levou a agência reguladora norte-americana (Food and Drug Administration – FDA) a recusar no verão passado a aprovação da terapia assistida por MDMA para a perturbação de stress pós-traumático.
Esta decisão estará relacionada com a forma como a psicoterapia foi administrada nos estudos apresentados à FDA.
E, segundo o investigador, é precisamente o facto de a psicoterapêutica ser relatada de forma clara e consistente que pode fazer avançar este tipo de tratamentos.
Apesar de tudo, disse, o reporte está a melhorar, mas insistiu na importância de se poder avançar mais rapidamente, sobretudo para bem de quem beneficia destes tratamentos, os doentes: “Estamos a falar de estudos que estão a ser feitos para tentar responder a circunstâncias em que há muito poucas alternativas. E os doentes e as doenças não esperam”.