
Por Rodrigo Abreu, Nutricionista – Managing Partner na Rodrigo Abreu & Associados; Fundador do Atelier de Nutrição®
O vídeo mostra uma mulher a falar para a câmara do telemóvel, sentada à mesa daquilo que parece ser a esplanada ao ar livre de um restaurante. Fala de forma apressada, como alguém aflito para alertar os outros de algo grave que descobriu em primeira mão. O chorrilho de palavras é contínuo e, por vezes, não se entende bem o que diz, mas é claro que a mulher está assustada! O restaurante, aquele mesmo onde está, vende coisas tóxicas (“tóchicas”, na dicção da mulher) que as crianças estão a comer e que lhes trarão uma série de problemas de saúde (sic). Pela descrição, não se percebe se as coisas são mesmo para comer, ou se as crianças as comem por engano e ignorância dos pais. Mas a mulher está certa de uma coisa: “eles” querem fazer mal às pessoas!
Outro vídeo, o mesmo tom. Um homem dá uma entrevista num podcast. Deve ter saído de casa à pressa, porque apresenta-se ainda com a camisa desapertada, mas nem isso o coíbe de falar imenso. O homem entrevistado não parece bem um entrevistado, pois só fala ele, e, como a mulher, também faz declarações alarmantes. Fala de genocídio de bebés, bebidas que têm diabetes, da OMS, do grupo Bilderberg e do Pai Natal, tudo na mesma sequência! É confuso, parece assustador! Mas, garante, “eles” querem fazer mal às pessoas.
Entre o caricato e o confrangedor, conteúdo deste género abunda na internet. Gente com opinião (e convicção) sobre tudo, não tem medo (nem vergonha) de fazer afirmações falsas ou incorretas sobre assuntos complexos de áreas diversas da Ciência. A Nutrição, em particular, é uma das Ciências que mais sofre deste tipo de palpites. Estas pessoas poderiam até questionar a evidência existente sobre temas como os aditivos alimentares ou as causas da obesidade infantil, fomentando um debate salutar. Mas, em vez de trazer argumentos e mais ciência para a discussão, preferem afirmar “a sua verdade” (sic). Estas verdades, pessoais e muito transmissíveis, facilmente se disseminam entre mentes menos críticas e informadas, com consequências várias para o público em geral, mas também para os profissionais de saúde e divulgadores de Ciência.
Quando os profissionais de saúde, para serem ouvidos e se destacarem nas redes sociais ou nos media tradicionais, adotam um estilo de comunicação parecido com o dos “influenciadores”, começa a formar-se no público a ideia de que cientistas e “influencers” estão a dizer a mesma coisa. Num mundo em que somos bombardeados com informação e onde a maioria das pessoas não tem tempo (nem vontade) para aprofundar os assuntos, corre-se o risco de as mensagens de influenciadores e profissionais parecerem as mesmas aos olhos de pessoas menos esclarecidas. Um cientista deve ser cauteloso quando comunica, por exemplo, sobre corantes ou conservantes, para não correr o risco de amplificar as mensagens erradas de influenciadores alarmistas. Um nutricionista não pode simplificar as causas da obesidade, sob pena de validar teorias simplistas sobre a perda de peso.
Por outro lado, a preocupação com o recentemente anunciado fim dos fact-checks nas redes sociais, deve ser um fator adicional de responsabilidade para quem trabalha e comunica Saúde. Inicialmente, vamos assistir a uma proliferação de todo o tipo de mensagens (as “verdades” de cada um), o que levará muitas pessoas a acreditar em informações falsas ou descontextualizadas, facto agravado pelo boom de conteúdos gerados por IA. No entanto, com o tempo, essas mesmas pessoas começarão a duvidar daquilo que veem e leem, desenvolvendo o seu sentido crítico e aprendendo a filtrar informação credível no meio da enxurrada de vídeos e texto que invade os seus feeds diariamente. É uma oportunidade de ouro para a afirmação dos verdadeiros especialistas, que devem começar já a trabalhar em conteúdos informativos, baseados em evidência, não tendenciosos e tão fáceis de entender quanto possível. A Ciência em geral, e a Nutrição em particular, nem sempre são obviamente compreensíveis. Mas com algum talento, seriedade e dedicação (a IA será uma ajuda valiosa, pois não serve apenas para o “mal”), é possível contrariar a desinformação voluntária ou involuntária de certas influências tóxicas…