Influência do background migratório no excesso de peso e obesidade infantil. COSI Portugal 2019 1535

Tendo em conta o panorama atual, a questão da imigração destaca-se como protagonista na agenda política e social a nível global. Comparativamente a outros países Europeus, Portugal é um dos países que apresenta ainda uma reduzida proporção de imigrantes. Contudo, a tendência observada em todo o mundo, na Europa e inclusivamente em Portugal, é de um crescente fluxo migratório, o qual foi agravado devido também aos conflitos existentes tanto no Médio Oriente e em África como na própria Europa, que continua a ser um dos principais destinos de imigração. Deste modo, é de extrema relevância e pertinência analisar e compreender o estado de saúde dinâmico da população migrante e da sua descendência para assegurar uma resposta adequada e adaptada às particularidades e necessidades desta população.

Existem diversos determinantes que influenciam a saúde de uma pessoa e estes podem igualmente ser influenciados pela migração. A saúde das populações migrantes é o produto de influências do país de origem, do país de acolhimento e do próprio processo de migração e adaptação/integração. Muito embora esteja descrito que o estado de saúde da generalidade da população migrante na chegada ao país de acolhimento é melhor comparativamente ao estado de saúde da população nacional, o designado “efeito do migrante saudável”, este estado mais favorável tende a desaparecer ao longo do tempo e não se estende às gerações seguintes.

À medida que os indivíduos migrantes são expostos ao ambiente e realidade do novo país, acabam por assimilar alguns comportamentos, atitudes e estilos de vida mais característicos do novo país de residência, o que é designado por aculturação. A aculturação tem sido associada à deterioração do estado de saúde dos imigrantes. Particularmente nos casos em que há uma mudança de um país de baixa-média renda para um país de alta renda e para uma sociedade mais ocidentalizada, no país de acolhimento, os imigrantes têm maior acesso a produtos alimentares não saudáveis, hábitos mais sedentários, podem encontrar barreiras linguísticas e dificuldades no acesso a cuidados de saúde, entre outros obstáculos, podendo tudo isto afetar o estado nutricional e conduzir a excesso de peso e obesidade.

Tanto a nível nacional como internacional, a obesidade infantil e a migração são reconhecidas como importantes desafios de saúde pública. Contudo, ainda existe uma lacuna de dados nacionais e internacionais referentes especificamente a crianças de imigrantes e ao seu estado de saúde, nomeadamente sobre o estado nutricional. O risco de excesso de peso em crianças descendentes de imigrantes é bastante complexo, o qual pode ser influenciado pelo contexto do país de acolhimento, mas também pelos aspetos que derivam do país de origem.

Neste âmbito, estudos realizados em outros países da Europa, nomeadamente na Alemanha, Suécia, Áustria e Países Baixos, demonstraram um maior risco de excesso de peso em crianças de imigrantes, o qual pode ser atribuído ao contexto sociocultural do país de origem. Nestes estudos, os países de origem eram predominantemente do Norte de África e Médio Oriente, onde o excesso de peso e obesidade não são geralmente reconhecidos como um problema de saúde e existe uma preferência cultural que influencia a perceção corporal. Por outro lado, em Portugal um estudo realizado a partir dos dados recolhidos na 5ª ronda do estudo COSI Portugal (2018/2019), onde 29,7% de crianças apresentavam excesso de peso e 11,9% obesidade, procurou aferir se o background migratório (ter pelo menos um dos progenitores nascido fora de Portugal) influencia o excesso de peso em crianças nascidas em Portugal.

Apesar de não ter sido encontrada associação entre background migratório e excesso de peso infantil, os resultados observados neste estudo, mostraram que crianças com ambos os progenitores nascidos fora de Portugal, crianças com um dos progenitores nascido fora de Portugal e crianças com ambos os progenitores nascidos em Portugal, apresentaram prevalências semelhantes de excesso de peso e igualmente elevadas (cerca de 30%).

Ao refletir sobre estes resultados e analisando o contexto Português, alguns aspetos podem ajudar na sua compreensão. Inquéritos e estudos sobre o consumo alimentar em Portugal, apontam para um maior afastamento do tradicional padrão mediterrânico para um padrão de consumo mais ocidentalizado, particularmente nas idades mais jovens. A “transição nutricional” que Portugal tem vindo a experienciar com uma crescente exposição a ambientes obesogénicos e maior prevalência de doenças crónicas não transmissíveis relacionadas com uma alimentação desadequada e estilos de vida mais sedentários parece contribuir para esta realidade. Crianças que nascem em Portugal de progenitores imigrantes e progenitores cujo país de origem também já experienciou/experiencia esta transição nutricional acabam por estar naturalmente mais expostos a estes ambientes.

Adicionalmente, o facto de uma grande percentagem dos países de origem da população imigrante em Portugal pertencer à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, pode levar a crer que o processo de aculturação destes imigrantes pode ser de certa forma facilitado devido às semelhanças linguísticas e assimilar comportamentos de risco que irão influenciar por sua vez os estilos de vida das suas crianças. Contudo, reconhece-se que esta é uma assunção bastante genérica. Outro aspeto é o facto de Portugal na área da migração ter das políticas mais inclusivas da Europa e inúmeros esforços têm sido desenvolvidos para promover a integração das populações migrantes, facilitando mais uma vez o processo de aculturação.

Este estudo insere-se no contexto atual, onde vivemos a maior crise europeia migratória por condicionantes político-sociais, de elevada importância. Ao mesmo tempo serviu para que o estudo COSI da Organização Mundial da Saúde/Europa reconhecesse a necessidade de se explorar mais aprofundadamente as características tanto do país de origem, como do país de acolhimento, o contexto sociocultural e de imigração, o tempo de residência no país de acolhimento, entre outros fatores que poderão auxiliar e contribuir para o desenvolvimento de estratégias preventivas da influência do background migratório no excesso de peso. Pretende-se ainda que esta resposta estratégica seja abrangente, inclusiva, compreenda o contexto ambiental e contrarie as desigualdades sociais, contribuindo para a mitigação do desenvolvimento da obesidade infantil.

Assim, a contínua monitorização, em Portugal, deste fenómeno assume-se de extrema importância, não só devido ao crescente e dinâmico padrão migratório, mas igualmente pela situação pandémica por COVID-19, que ainda experienciamos.  Importa perceber o impacto destes condicionantes nas populações migrantes que por si só são mais vulneráveis, não só devido à alteração de comportamentos e estilos de vida como às restrições e dificuldades impostas à movimentação das populações.

Sofia Mendes

Mestre em Saúde Pública, colaboradora do Centro de Estudos e Investigação em Dinâmicas Sociais e Saúde (CEIDSS)