Índice glicémico e saúde: papel das sementes da fruta 1810

Existe evidência sólida de que níveis de glicose sanguínea elevados (hiperglicemia), potenciados por hábitos alimentares inadequados e estilos de vida sedentários, constituem risco para a resistência à insulina, uma das alterações metabólicas com maior associação ao desenvolvimento de doenças crónicas não-comunicáveis, nomeadamente doenças cardiovasculares, cancro e diabetes.

Reconhecendo o impacto clínico das oscilações nas concentrações de glicose sanguínea (glicemia), vários estudos têm demonstrado os efeitos que alimentos com diferentes perfis nutricionais podem ter neste mesmo indicador. Adicionalmente, sabe-se que o mesmo alimento, por exemplo, uma peça de fruta, pode induzir respostas glicémicas diferentes consoante seja consumida inteira, ou em forma de sumo. Recentemente, um estudo demonstrou que o consumo de um sumo de fruta preparado na forma de smoothie apresentou um índice glicémico mais baixo, em comparação com o consumo da mesma quantidade de fruta inteira (Alkutbe, R et al., 2020).

Neste estudo tanto o smoothie como a fruta inteira tinham a mesma quantidade de hidratos de carbono (25 g) que eram fornecidos por manga (12,5 g) e por uma de uma de duas frutas com sementes – maracujá ou framboesas (12,5 g de hidratos de carbono). Os autores colocaram a hipótese de, que pelo facto de no smoothie a fruta ser triturada, as fibras das sementes (assim como as gorduras e proteínas) tornarem-se mais biodisponíveis. Por outro lado, quando a fruta é consumida inteira, a maioria das sementes irá permanecer intacta, por hipótese, menos biodisponíveis.

No entanto, o trabalho acima descrito não foi desenhado para testar a hipótese de que seria o processamento das sementes de fruta a contribuir para um IG mais baixo. Assim, desenvolvemos um trabalho experimental com o objetivo de avaliar o impacto na resposta glicémica da ingestão de um smoothie de fruta com inclusão das sementes da mesma, em comparação com um idêntico, sem as sementes. A fruta testada foi a papaia, devido à sua grande quantidade de sementes e à facilidade em separá-las da polpa da fruta. Assim, desenvolvemos dois smoothies: ambos com 25 g de hidratos de carbono, sendo que 12,5g eram provenientes de manga e 12,5g de papaia. As sementes de papaia foram trituradas à parte com água e depois distribuídas em igual quantidade pelos smoothies com sementes. Os ensaios foram realizados em indivíduos normoglicémicos e foram testadas 3 condições: controlo (água com glicose), smoothie de fruta com sementes, smoothie de fruta sem sementes.

Foram determinados os valores de glicemia capilar ao longo de 90 minutos, após a ingestão dos alimentos. Posteriormente foi calculada a área incremental sob a curva (iAUC) média, para cada um dos alimentos, permitindo determinar o índice glicémico (IG) de ambos os smoothies. Observou-se que a iAUC do smoothie com sementes foi significativamente inferior à do alimento controlo (água com glicose) (P = 0,02), enquanto a iAUC do smoothie sem sementes por comparação à do controlo e ainda a iAUC do smoothie com sementes por comparação à do smoothie sem sementes não apresentaram diferenças significativas (ambos P≥0,05). Assim, esta atividade experimental corrobora que o processamento de fruta em forma de smoothie, especificamente frutas com sementes, tais como as framboesas, maracujá e papaia, é uma opção válida em alternativa à fruta no seu estado natural.

Este resultado tem interesse prático, clínico sobretudo porque gerar mais evidência nesta área é relevante não só para a mais clássica utilização pelos doentes com diabetes, mas mais ainda, veja-se que em 2021 foi publicado um estudo no New England Journal of Medicine, analisando 137.851 participantes com idades entre 35 e 70 anos, residentes nos cinco continentes, com um acompanhamento médio de 9,5 anos. Recorrendo a questionários de frequência alimentar específicos do país para determinar a ingestão alimentar foram estimados o índice glicémico e a carga glicémica. Neste estudo, uma dieta com alto índice glicémico foi associada a um risco aumentado de doenças cardiovasculares e morte (Jenkins, DJA et al., 2021).

Mas ainda mais, na perspetiva dos estudantes, a possibilidade de acompanharem o projeto, desde a sua preparação, através da análise de literatura relacionada com o tema, até à obtenção, análise e apresentação dos resultados obtidos “nos próprios”, constituiu uma mais-valia: permitiu a aquisição novos conhecimentos a um nível translacional, o que é de extrema relevância numa fase tão precoce da sua formação académica. Esta atividade experimental evidenciou aquilo que se pretende na formação dos futuros nutricionistas e profissionais de saúde: que conceitos científicos de base possam impulsionar o desenvolvimento de investigação com impacto clínico e que tal se traduza em novos conhecimentos em prol da saúde das populações.

 

Maria Beatriz Nogueira é aluna finalista de Ciências da Nutrição na NOVA Medical School
Gabriela Ribeiro é Professora Auxiliar Convidada na NOVA Medical School
Este estudo foi realizado no âmbito da licenciatura de Ciências da Nutrição, na disciplina do 1º ano, Nutrição e Metabolismo I.

Bibliografia

World Health Organization. Noncommunicable diseases Fact sheet. 2023. Accessed March 2024.

Alkutbe, Rabab et al. Nutrient Extraction Lowers Postprandial Glucose Response of Fruit in Adults with Obesity as well as Healthy Weight Adults. Nutrients. 2020; 12, 766. Doi:10.3390/nu12030766.

Jenkins DJA et al., Glycemic Index, Glycemic Load, and Cardiovascular Disease and Mortality. N Engl J Med 2021;384:1312-22.