Quando Lucy Wills identificou as causas da anemia macrocítica em mulheres indianas compreendeu, desde logo, a necessidade de harmonizar as medições para diferenciar as origens artificiais das naturais nas variações observadas. Identificou, assim, o que se ficou a conhecer como o fator Wills, mais tarde designado como ácido fólico (folato). Embora com meios escassos, comparados com os de hoje, para determinar os aportes de folatos necessários, Lucy Wills, dotada de uma intuição e de uma sensibilidade fora do comum compreendeu, influenciada pelos ensinamentos deixados por Lavoisier, quer na India quer depois na Africa do Sul, o papel relevante do rigor das medições nos estudos observacionais.
Hoje, medir, faz parte do quotidiano dos profissionais de nutrição. As medidas antropométricas requerem o uso de balanças calibradas e rastreadas ao quilograma padrão, o mesmo se passando com as fitas métricas utilizadas. Como seria a comparação dos valores antropométricos se fossem utilizados valores obtidos em balanças descalibradas ou balanças com erros de histerese? Esta foi a questão sobre a qual Clive West, um professor da Universidade de Wageningen, na década de oitenta, se interrogou, quando pretendeu comparar os valores de Vitamina A, no plasma, provenientes de laboratórios de diferentes regiões do globo. Clive West, a quem se deve muito da internacionalização das medições em epidemiologia nutricional, concluiu que a maior dificuldade consistia em provar que os laboratórios aplicavam procedimentos harmonizáveis e compatíveis, criando, desta forma, o conceito de qualidade e da sua internacionalização nas tabelas de composição de alimentos.
A qualidade dos alimentos envolve um conjunto de propriedades e características de um produto alimentar ou alimento relativas a matérias-primas ou ingredientes utilizados na sua produção, natureza, composição, pureza, identificação, origem e rastreabilidade. Além das características intrínsecas do produto, a qualidade dos alimentos pode também ser avaliada pelos processos de fabrico, armazenamento, embalagem e comercialização.
Com o objetivo de avaliar estas características, é necessário desenvolver métodos analíticos harmonizados, com um elevado grau de precisão e de sensibilidade, que assegurem a fiabilidade e a comparabilidade dos resultados, de forma a garantir a qualidade do alimento desde o seu fabrico até ao consumidor.
Outro aspeto a ter em conta são os nutrientes presentes nos alimentos, como fatores protetores ou prejudiciais de alguns tipos de doença. Diversos estudos têm sido desenvolvidos com o objetivo de avaliar a influência dos componentes alimentares na saúde e na doença e de reformular a composição dos produtos alimentares relativamente aos teores de açúcar, sal, ácidos gordos saturados e trans. Neste sentido, são necessários valores analíticos comparáveis, fiáveis e rastreáveis da composição nutricional dos alimentos, para garantir uma verdadeira estimativa da ingestão de nutrientes e para monitorizar o estado nutricional das populações, a nível nacional e europeu, ao longo do tempo. A rotulagem dos alimentos, tendo por base dados analíticos produzidos em laboratórios com ensaios acreditados, surge como um instrumento importante na educação dos consumidores para escolhas alimentares saudáveis.
Nesta perspetiva, os princípios da metrologia permitem responder à crescente exigência dos métodos de ensaio dedicados à análise de alimentos.
A qualidade das medições desempenha cada vez mais um papel fundamental na tecnologia e desenvolvimento socioeconómico, apoiando, assim, o comércio, evidenciando a qualidade dos produtos e serviços, e reforçando a base de conhecimentos no que respeita à tomada de decisões nos domínios do ambiente, saúde, e setores forenses.
A metrologia aplicada às áreas da nutrição, segurança e qualidade alimentar exige que medições como a biodisponibilidade de nutrientes sejam, também, consideradas como parte de uma avaliação analítica. É uma disciplina emergente, cuja sensibilização vem sendo promovida por investigadores das áreas de saúde pública e nutrição.
Esta matéria está hoje a ser estudada, com grande rigor, na Infraestrutura para a Promoção da Metrologia em Alimentação e Nutrição (METROFOOD-RI), financiado pela União Europeia (EU).
Esta Infraestrutura de investigação científica transversal visa promover a excelência científica dos processos de medição nas áreas da nutrição, segurança e qualidade alimentar, e, em particular, da composição dos alimentos. Encontra-se na segunda fase e tem vindo a listar capacidades analíticas existentes que incluem métodos de medição, e uma plataforma de acesso para partilha de dados sobre ferramentas metrológicas nas áreas da alimentação, nutrição e toxicologia, com incidência na composição de alimentos, seu conteúdo nutricional, teores de contaminantes e de biomarcadores. Este projeto é, também, apoiado pela EFSA, sendo um auxiliar precioso na preparação de ferramentas de desempenho que permitam a todos os profissionais de nutrição obter e utilizar dados de componentes alimentares de grande fiabilidade e reprodutibilidade.
Considerando as medições credíveis e robustas como um dos pilares da fundamentação técnica e científica das políticas de saúde, a implementação de medições rastreáveis e fidedignas nas áreas da nutrição, segurança e qualidade alimentar é uma necessidade premente que vai de encontro às linhas estratégicas da UE.
Mariana Santos
Mestre em Ciência e Engenharia dos Alimentos
Departamento de Alimentação e Nutrição
INSA – Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge