Food 4 Thought: “A revolução começa em ti” 566

A conferência internacional Food 4 Thought está a decorrer na Biblioteca Municipal de Santa Maria da Feira, entre 2 e 4 de abril, reunindo 27 especialistas de seis países para discutir temas fundamentais da nossa contemporaneidade, entre os quais a alimentação e sustentabilidade.

O evento, que integra o plano de ações da candidatura de Santa Maria da Feira à Rede de Cidades Criativas da UNESCO para a área da Gastronomia, destaca-se pelo seu caráter interdisciplinar e pelo impacto significativo tanto na comunidade científica quanto na comunidade local.

Durante três dias, os oradores e moderadores convidados, desde representantes da Rede de Cidades Criativas da UNESCO de todo o mundo, dirigentes, nutricionistas, investigadores, professores, chefs, artistas, realizadores de cinema e jornalistas, exploram quatro grandes temas: alterações demográficas e agricultura; consumo sustentável; saúde e bem-estar; conhecimento científico e criatividade na gastronomia.

No segundo dia, dedicado ao tema do consumo sustentável, realizaram-se dois painéis de discussão. O primeiro, intitulado “Cultura, alimentação e sustentabilidade”, contou com a moderação de Colleen Swain, representante da Cidade Criativa da Gastronomia da UNESCO de San Antonio (Texas, EUA), e as intervenções de Hugo de Almeida, realizador do documentário “Carne: a pegada insustentável”, Olga Cavaleiro, da Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Instituto Politécnico do Porto, e do chef Rui Martins. O debate centrou-se na relação entre alimentação e impacto ambiental, bem como na necessidade de promover práticas alimentares mais responsáveis.

Hugo de Almeida salientou a importância de repensarmos a nossa relação com a alimentação e apresentou uma abordagem inspirada na pirâmide de Maslow, adaptada ao mundo gastronómico. “A revolução começa em ti”, afirmou, explicando como a comida pode ser vista em diferentes níveis de necessidades: fisiológicas (comida como sobrevivência); segurança (comida como estabilidade); relacionamento e pertença (comida como conexão); estima e reconhecimento (comida como status e identidade); e, por fim, autorrealização (comida como expressão e transcendência).

“Precisamos de ‘reinventar’ a experiência de nos alimentarmos”, sublinhou. Na sua opinião, a alimentação sustentável deve ser encarada como um desafio individual e coletivo, incentivando a adoção de uma ou mais refeições plant-based por semana, a criação de mercados e festivais veganos e a inclusão de mais opções sustentáveis nos restaurantes. “Se não estão convencidos pelo planeta, façam-no pela vossa saúde“, reforçou.

Hugo de Almeida: “Precisamos de ‘reinventar’ a experiência de nos alimentarmos”

O segundo painel, intitulado “Proximidade, património e sustentabilidade”, teve a moderação de Patrícia Padrão, da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto (FCNAUP). Entre os oradores estiveram Larissa Carvalho e Ivete Santos, também da FCNAUP, além da chef norueguesa Lena Flaten. A sessão evidenciou o papel dos produtos locais e das tradições na construção de um modelo alimentar sustentável e acessível.

Larissa Carvalho refletiu sobre o futuro da alimentação, focando-se na crescente perda de conexão das pessoas com o processo de cozinhar, especialmente com a também crescente popularidade do ‘pronto a comer’. Citando o presidente de uma das principais cadeias de supermercados a operar em Portugal, que previu o fim das cozinhas nas casas até 2050, questionou: “Estamos a abrir mão da nossa liberdade de nos alimentar?”.

Para a palestrante, a ausência de cozinhas pode significar uma “perda irreparável”, não só pela desconexão com os alimentos, mas também pelos impactos culturais e ambientais (mais ultraprocessados, mais transporte, mais embalagens). A produção local seria substituída por alimentos produzidos onde for mais barato, a diversidade de receitas e sabores tradicionais poderia desaparecer, e as grandes empresas passariam a ditar o que comemos. A consequência disso seria uma alimentação globalizada e menos livre.

Larissa Carvalho: A ausência de cozinhas pode significar uma “perda irreparável”

Organizado pelo Município de Santa Maria da Feira, em parceria com a FCNAUP, o Food 4 Thought, que reúne mais de 200 participantes, nacionais e internacionais, encerra hoje com a apresentação de um manifesto que visa estimular a reflexão sobre o papel dos municípios no desenvolvimento de políticas alimentares à escala local, promotoras de saúde e bem-estar nas populações, preservando a tradição, sem inibir a necessária inovação e criatividade.