O Índice Global da Fome (IGF) 2024 – cuja sinopse foi traduzida para português pela Ajuda em Ação Portugal como membro da Alliance2015 – “demonstra como a fome e a desigualdade de género estão interligadas de forma crítica e revela que a discriminação e a violência de género estão a agravar a insegurança alimentar no mundo, impedindo que as mulheres tenham acesso a recursos básicos como alimentos e terras”.
E a menos de seis anos da meta de alcançar o Objetivo de Fome Zero até 2030 definido pelas Nações Unidas, as perspetivas não são animadoras, explica a Ajuda em Ação em comunicado. De acordo com os dados do IGF 2024, a pontuação mundial é de 18,3, apenas ligeiramente inferior à de 2016, que se situava em 18,8. Para Mário Baudouin, Diretor Nacional da Ajuda em Ação em Portugal, “o estudo deste ano reflete uma clara estagnação na luta contra a fome e que ao continuarmos assim só se atingirão níveis baixos de fome em 2160”.
Segundo os dados do IGF 2024, 42 países enfrentam níveis alarmantes ou graves de fome, com territórios como a Somália, o Iémen ou o Chade a sofrerem os maiores níveis de desnutrição e subalimentação. Na África Subsaariana, a região com os níveis de fome mais elevados, “o progresso tem sido praticamente nulo desde 2016, enquanto na América Latina e Caraíbas pioraram devido ao aumento da inflação e agravar da dívida”.
Além disso, refere a entidade, “os conflitos prolongados em regiões como Gaza e Sudão desencadearam crises alimentares sem precedentes, enquanto noutros locais, como o Haiti e a República Democrática do Congo, a insegurança alimentar agravou-se devido à instabilidade política, à violência e aos impactos climáticos”.
A diferença de segurança alimentar atinge os 19 pontos entre homens e mulheres em algumas regiões
“As mulheres e meninas são as mais afetadas pela problemática da insegurança alimentar e em algumas regiões a diferença da segurança alimentar entre homens e mulheres pode chegar até aos 19 pontos percentuais, sendo que as mulheres são as que se encontram numa situação mais propensa a padecer de fome”, lê-se em comunicado. Esta realidade “é ainda mais crítica em países afetados por conflitos, onde as mulheres que vivem na pobreza, em áreas rurais, com empregos informais ou que são refugiadas ou migrantes enfrentam riscos adicionais e maiores barreiras no acesso aos alimentos”.
As alterações climáticas intensificaram ainda mais as dificuldades para as mulheres, que são em grande medida responsáveis pelo trabalho agrícola e pela alimentação familiar. “As secas, inundações e outros fenómenos meteorológicos extremos obrigam muitas mulheres a percorrer maiores distâncias para obter água ou procurar alimentos, o que aumenta a sua carga de trabalho e as deixa com menos tempo para cuidar da sua própria nutrição ou da das suas famílias. Por sua vez, as políticas agrícolas e financeiras continuam a ignorar as profundas desigualdades de género que subjazem nos sistemas alimentares, perpetuando um ciclo de pobreza e desnutrição”, acrescenta a equipa da Ajuda em Ação.
Perante esta realidade, a igualdade de género e o empoderamento feminino “são pilares fundamentais para alcançar a segurança alimentar e a resiliência climática. Isto implica não só o reconhecimento das diferentes necessidades e situações de vulnerabilidade que as mulheres enfrentam, mas também a redistribuição equitativa de recursos e a representação igualitária nos processos de tomada de decisões”. A falta de participação das mulheres na política alimentar a todos os níveis “limita o impacto das medidas atuais, deixando grande parte da população feminina sem as ferramentas necessárias para enfrentar os desafios que as afetam diretamente”.
Para Mário Baudouin, que ressalva as recomendações políticas apresentadas no relatório, é preciso incorporar a perspetiva de género nas políticas alimentares. “Os investimentos públicos devem concentrar-se em melhorar o acesso das mulheres aos serviços básicos, promovendo uma distribuição equitativa do trabalho e dos recursos dentro das comunidades. Também é necessário incorporar a perspetiva de género em todos os quadros legais e programas”. E insiste: “Sem um investimento significativo nestes setores, as mulheres continuarão a ser relegadas para uma posição de desvantagem, e os esforços para reduzir a fome serão insuficientes”.