Fármacos não antibióticos e microbiota intestinal 1301

A par da alimentação, o consumo de antibióticos é considerado um dos principais determinantes ambientais do microbiota intestinal. Estudos recentes têm alertado para o fato de, além dos antibióticos, várias classes de fármacos não antibióticos serem também capazes de induzir profundas alterações na composição do microbiota intestinal.

Com efeito, estudos clínicos demonstraram que populações que consumiam regularmente inibidores da bomba de protões, anti-hipertensores, anti-inflamatórios não esteroides, antidiabéticos orais, antidepressivos, antiparkinsónicos, antipsicóticos, antineoplásicos, antipiréticos ou estatinas, apresentavam alterações (aumento ou diminuição) da abundância de vários géneros e espécies bacterianas intestinais.

Além disso, utilizando uma metodologia in vitro, um grupo de investigadores do Laboratório Europeu de Biologia Molecular de Heidelberg liderado por Maier e colaboradores, demonstrou que 25% dos 835 fármacos não antibióticos testados em concentrações fisiológicas, inibiram o crescimento de pelo menos uma espécie bacteriana característica do microbiota intestinal.

Este efeito inibitório foi mais acentuado para os inibidores da bomba de protões, antipsicóticos, antineoplásicos, inibidores dos canais de cálcio e antidiabéticos orais. As bactérias mais sensíveis a estes fármacos foram as produtoras dos ácidos gordos de cadeia curta butirato (Eubacterium rectale, Roseburia intestinalis, e Coprococcus comes) e propionato (Bacteroides vulgatus, Prevotella copri, e Blautia obeum).

Apesar das consequências do “efeito antibiótico” destes fármacos não serem ainda conhecidas, é muito provável que a menor produção de butirato e propionato aumente a inflamação, o stresse oxidativo e a permeabilidade do epitélio intestinal, e altere negativamente o metabolismo glicídico e lipídico nos tecidos extra-intestinais. Como tal, é expectável que o consumo de fármacos não antibióticos associado a probióticos, prebióticos ou posbióticos, possa ser uma estratégia vantajosa para minimizar o eventual impacto negativo destes fármacos no microbiota intestinal e na homeostasia dos tecidos intestinais e extra-intestinais.

Em contraste com este “efeito antibiótico”, alguns fármacos não antibióticos demonstraram ser capazes de, em vez de diminuir, aumentar a abundância de certas espécies bacterianas do microbiota intestinal que têm consequências clínicas positivas. Além de inibirem a síntese hepática de colesterol, as estatinas são capazes de reduzir as concentrações circulantes de colesterol devido a estimularem o crescimento de bactérias intestinais que expressam a hidrólase dos ácidos biliares (enzimas que degradam os ácidos biliares utilizados na digestão dos lípidos impedindo a sua reabsorção). Para compensar a degradação bacteriana, a síntese de ácidos biliares no fígado a partir do colesterol circulante será estimulada, contribuindo assim para a redução da colesterolemia. Outro exemplo bem descrito é o da metformina, cuja capacidade de reduzir a resistência à ação da insulina e a glicemia envolve (além da inibição da gliconeogénese hepática) o aumento da colonização intestinal por bactérias produtoras de butirato como a Akkermansia muciniphila.

Além dos fármacos não antibióticos alterarem o microbiota, este (particularmente as bactérias intestinais) é capaz de metabolizar ou biotransformar enzimaticamente os fármacos não antibióticos alterando os seus processos de absorção intestinal e, consequentemente, as suas concentrações circulantes, captação pelos tecidos alvo (biodisponibilidade), efeito biológico (bioatividade) e a toxicidade. Um exemplo paradigmático desta interação é o metabolismo do antiparkinsónico levodopa. Este fármaco, cujo efeito terapêutico depende da sua conversão em dopamina no sistema nervoso central, pode ser convertido sequencialmente em dopamina e m-tiramina pelas bactérias Enterococcous faecalis e Eggerthella lenta, respetivamente. A metabolização da levodopa por bactérias intestinais parecer ser um dos mecanismos que explica os seus efeitos secundários cardiovasculares (pois a m-tiramina induz hipertensão) e a variabilidade da sua eficácia entre doentes. Dado o impacto do microbiota intestinal na biodisponibilidade, bioatividade e efeitos secundários dos fármacos não antibióticos, será de extrema utilidade o desenvolvimento de estratégias nutricionais que permitam modular o microbiota (prebióticos, probióticos ou posbióticos) de modo a potenciar a eficácia e segurança destes fármacos.

Para finalizar, importa sublinhar que o conhecimento detalhado dos complexos mecanismos subjacentes à interação entre o microbiota intestinal e os fármacos não antibióticos, será uma ferramenta importante para o desenvolvimento de uma nutrição que se quer cada vez mais individualizada e personalizada.

João Ricardo Araújo
Nutricionista
Professor Auxiliar na NOVA Medical School – Faculdade de Ciências Médicas, Univ. Nova de Lisboa.
Investigador do grupo ProNutri, CINTESIS