Exposição Humana a contaminantes químicos – a iniciativa HBM4EU e exposição a micotoxinas na Europa 1797

As pessoas estão diariamente expostas a uma mistura complexa de substâncias químicas, maioritariamente, através da ingestão de alimentos com contaminantes e resíduos químicos, mas também da inalação de poluentes ambientais e contacto dérmico com variados produtos. De entre os contaminantes alimentares, destacam-se as micotoxinas, metabolitos naturais produzidos por fungos, pertencentes na sua maioria, aos géneros Aspergillus, Fusarium e Penicillium.

São compostos químicos resistentes ao processamento industrial e culinário e podem ter efeitos prejudiciais para a saúde humana e animal devido à sua toxicidade, nomeadamente, perturbações nos sistemas digestivo e imunitário, urinário podendo também promover o desenvolvimento de cancro e provocar a morte.

A principal via de exposição a estes compostos é a ingestão de alimentos, com particular foco nos cereais. Em virtude do aquecimento global, poderá ocorrer um risco acrescido de contaminação por micotoxinas, nas culturas de cereais, pelo que será importante monitorizar a exposição humana a estes compostos por forma a reduzir e prevenir os efeitos da exposição humana a estes compostos.

Por forma a avaliar a exposição humana a estas e outras substâncias, é importante efetuar a sua biomonitorização, isto é, detetar a sua presença e dos seus metabolitos (biomarcadores de exposição) diretamente em amostras biológicas como sangue, cabelo, urina ou leite materno ou prever, precocemente, os seus efeitos no organismo através da identificação de compostos associados aos efeitos adversos (biomarcadores de efeito), com vista a reduzir a exposição aos químicos e contribuir para proteger a saúde humana.

Coordenado pela Agência Federal do Ambiente Alemã, a iniciativa HBM4EU (European Human Biomonitoring Iniciative) é um consórcio europeu que conta com a participação de 30 países, da Agência Europeia do Ambiente e da Comissão Europeia, financiada ao abrigo do programa europeu Horizonte 2020 e em execução de 2017 a 2021. Esta iniciativa tem por objetivo contribuir com evidências sobre a exposição atual dos cidadãos europeus a contaminantes químicos e seus efeitos na saúde humana, dotando os gestores de risco com informação cientifica sobre a exposição a riscos químicos e seus efeitos na saúde.

As atividades desenvolvidas nesta iniciativa centram-se em três pilares, nomeadamente, i) Da Ciência à Política, explorando questões atuais sobre a avaliação e gestão dos riscos químicos, o que permitirá dar respostas que auxiliem os decisores políticos a proteger a saúde humana; ii) Uma Plataforma Europeia de Biomonitorização Humana, que fornecerá dados comparáveis a nível europeu, sobre a exposição a substâncias químicas e suas misturas, as quais servirão de base cientifica para a definição de politicas destinadas a melhorar a segurança química e iii) Exposição a Substâncias Químicas e Saúde, onde se procede à combinação de informação sobre a saúde e os resultados da biomonitorização humana.

Após o processo inicial de priorização que decorre para a seleção de compostos químicos a estudar, foram identificados os responsáveis europeus pelo programa de investigação de cada grupo de substâncias selecionadas (designados por chemical group leaders, ou responsáveis pelo grupo químico) e criada uma rede europeia que reúne os contactos nacionais (national hubs) responsáveis pela interação nacional com a iniciativa HBM4EU. Para cada grupo de substâncias a ser estudado, foi elaborada uma lista de questões científicas que a HBM4EU pretende responder durante os cinco anos de atividade.

De uma forma global, esta lista incluiu questões relacionadas com métodos analíticos, níveis de exposição e grupos mais expostos na Europa (incluindo trabalhadores), tendências de exposição, caracterização de risco, modelos de exposição e dados toxicocinéticos (absorção, distribuição, metabolização e excreção), valores de referência/recomendados, mecanismos de ação responsáveis pelos efeitos adversos na saúde, biomarcadores de efeito e identificação de lacunas a pesquisar no futuro.

Após um segundo exercício de priorização ocorrido em 2018, que reuniu consensos de instituições nacionais e europeias sobre a exposição a contaminantes químicos, as micotoxinas foram consideradas um grupo prioritário (https://www.hbm4eu.eu/hbm4eu-substances/), em particular, o desoxinivalenol (DON), promotor de distúrbios intestinais e inflamação e a Fumonisina B1 (FB1), possível cancerígeno para humanos.

O programa de trabalho em curso no HBM4EU no domínio das micotoxinas é liderado por Portugal, especificamente pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) e pela Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa (ESTeSL). Simultaneamente e para suporte da iniciativa HBM4EU em Portugal, incluindo atividades sobre micotoxinas e outros compostos em que Portugal está ativamente envolvido, foi criada uma Estrutura Nacional para a Biomonitorização Humana (National Hub – PT), assegurada por representantes da área da Saúde, Ambiente e Ciência e liderada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT).

Os resultados obtidos na iniciativa  HBM4EU no domínio das micotoxinas têm sido publicados e disponibilizados no site (https://www.hbm4eu.eu/result/deliverables/). Todas as informações reunidas constituirão um legado para o novo projeto europeu denominado “European Partnership for the Assessment of Risks from Chemicals” (PARC), financiado pela Comissão Europeia, a iniciar em 2022. Com este trabalho espera-se contribuir para o conhecimento cientifico da exposição humana a micotoxinas na Europa, aguardando que, num futuro próximo, Portugal possa, à semelhança de outros Países europeus, criar um programa nacional de biomonitorização humana, fundamental para avaliar os riscos químicos a que a população Portuguesa está exposta, permitindo contribuir para uma vida mais saudável.

Paula Alvito
Doutorada em Biologia pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Membro integrado do Centro de Estudos Ambientais e Marinhos (CESAM) da Universidade de Aveiro, Portugal, Toxicologista registada na EUROTOX