O tempo que decorre desde a fase pré-concecional e concecional até aos primeiros dois anos de vida reveste-se de acontecimentos únicos no corpo humano. O período habitualmente descrito como os primeiros 1000 dias de vida caracteriza-se por um intenso desenvolvimento, com atividade celular elevada, modificações extensas na morfologia, reorganização genómica e alterações metabólicas, que conduzem à formação de um novo indivíduo.
Sabe-se hoje em dia que os eventos ocorridos durante esta fase precoce têm influência em diversas fases posteriores da vida. De facto, esta atividade celular intensa faz com que este período seja considerado uma janela de tempo crítica e que as grávidas e as crianças sejam também por isso consideradas como sub-grupos vulneráveis da população, os quais importa proteger. Como tal, a fisiologia, a composição corporal, a dieta, os estilos de vida da mulher durante a gravidez, podem ter efeitos profundos e duradouros, não só na saúde em idade precoce e jovem, mas também no risco de doença na idade adulta.
No que diz respeito à dieta da mulher grávida, considera-se fundamental a adoção de hábitos alimentares, saudáveis e equilibrados, que permitam o aporte de todos os nutrientes fundamentais para o desenvolvimento saudável do feto. A preocupação com a dieta da mulher grávida é hoje em dia uma das prioridades pela importância que tem sobre a saúde do feto, mas também da própria mulher.
No entanto, sabemos também que os alimentos podem ser uma fonte de exposição a contaminantes químicos, de origem natural ou antropogénica, que podem decorrer por exemplo do processamento industrial ou ainda da adição intencional. Entre estes contaminantes químicos encontram-se os metais pesados (mercúrio, chumbo, cádmio), os pesticidas, os contaminantes resultantes do processamento alimentar (acrilamida, hidrocarbonetos aromáticos policíclicos), as micotoxinas e os policlorobifenilos, entre outros. Os efeitos na saúde atribuídos a estes contaminantes são vários englobando os efeitos teratogénicos, carcinogénicos, mutagénicos, e de disrupção endócrina. Assim, tal como o adequado aporte de nutrientes poderá ter uma influência positiva, também a exposição a contaminantes químicos poderá exercer uma influência negativa no desenvolvimento fetal.
O desenvolvimento de coortes de nascimento que se caracterizam por serem estudos epidemiológicos, longitudinais, prospetivos, com o início da avaliação nas fases precoces da vida permitem potencialmente avaliar a influência da exposição a contaminantes químicos nos mecanismos de saúde e doença ao longo da vida. Uma das mais-valias deste tipo de estudos é efetivamente a possibilidade de ligação entre as exposições ocorridas em fases precoces da vida e as doenças identificadas no adulto. Apesar do seu desenho permitir ultrapassar alguns constrangimentos associados a outro tipo de estudos epidemiológicos, as coortes de nascimento não são isentas de vieses e confundimento, sendo por isso importante manter sempre presente a necessária distinção entre correlação e causalidade. As coortes de nascimento incluem habitualmente vários momentos de avaliação, inclusão simultânea ou não dos progenitores, e recolha de diversos tipos de dados através da aplicação de questionários e/ou colheita de amostras biológicas para biomonitorização humana.
O desenvolvimento alcançado nos últimos anos no que diz respeito a metodologias analíticas como a espectrometria de massa, permitiu obter dados que contribuem para a conhecida “riqueza” de informação de uma coorte de nascimento. A deteção analítica de diversos contaminantes químicos em simultâneo bem como a avaliação do genoma, do proteoma ou do metaboloma naquilo que é conhecido como as “ómicas” permitiu gerar uma enorme quantidade de novos dados. Desta forma, a biomonitorização humana assume-se cada vez mais como uma ferramenta fundamental em estudos epidemiológicos permitindo obter informação sobre biomarcadores de exposição, biomarcadores de efeito e biomarcadores de susceptibilidade. A análise integrada destes dados permite ir cada vez mais longe no estabelecimento de associações entre os fatores ambientais e a doença.
À semelhança de outros países, em Portugal decorrem vários estudos epidemiológicos caracterizados como coortes de nascimento, coordenados por diversas instituições entre as quais o INSA e o ISPUP (earlyMYCO, Geração 21, BiTwin, entre outros), variando na sua dimensão e representatividade geográfica, e que pretendem avaliar a relação entre a exposição a contaminantes ambientais (onde se incluem os contaminantes presentes nos alimentos) e doença, entre outros aspetos do desenvolvimento individual.
Sendo a exposição a contaminantes químicos através de diversas vias uma das problemáticas inscrita nas agendas de instituições internacionais ligadas à Saúde e ao Ambiente, é fundamental o desenvolvimento de estudos que abordem esta questão em Portugal, contribuindo assim para o conhecimento alargado sobre os determinantes desta exposição e para a implementação de medidas de prevenção no âmbito da Saúde Pública e Ambiental.
Carla Martins
Doutorada em Saúde Pública
Departamento de Alimentação e Nutrição
INSA