Ética e Educação 1010

Nas conversas entre nutricionistas, discute-se frequentemente qual a situação mais desafiante (para não escrever “assustadora” ou “difícil)” que se pode encontrar na prática clínica. Há quem receie ter em consulta algum paciente com uma síndrome metabólica rara, há quem sinta dificuldade em lidar com distúrbios de comportamento alimentar, ou quem simplesmente não goste tanto de fazer consultas a outros profissionais de saúde… Mas, talvez a situação mais desconfortável seja quando nos deparamos com o erro de um colega nutricionista. Como lidar com as situações em que, após análise ponderada, ficamos convencido que um colega não fez o trabalho como devia? Ou ainda, como gerir a nossa própria atuação quando somos chamados a corrigir o trabalho (incorreto ou incompleto) feito previamente por outro colega?

O Código Deontológico dos Nutricionistas, no seu Artigo 12º, é claro quanto aos deveres destes profissionais para com os seus colegas. Logo na alínea b), é mencionado que o nutricionista “deve abster-se de denegrir o trabalho dos colegas, sem prejuízo da liberdade de apreciação crítica”. Mais adiante, na alínea h), acrescenta-se que é também dever do nutricionista “respeitar as diferentes formas de atuação, desde que enquadradas na área profissional, bem como as diferentes opiniões profissionais”. Estes pontos, que podem parecer simples ou óbvios, representam em si mesmos um significativo desafio quando se tem de lidar com o erro de um colega. Como se pode manter a liberdade de fazer uma apreciação crítica ao trabalho de alguém, sem beliscar ou denegrir essa pessoa? É, sem dúvida, um exercício de delicada sensibilidade, que deve assentar em equilíbrios difíceis de alcançar: o equilíbrio entre a liberdade de poder criticar e a responsabilidade do que se escolhe criticar; o equilíbrio entre a defesa das nossas convicções e o respeito por aquilo que se critica.

Uma das primeiras questões que se deve colocar é se a crítica ao trabalho de outrem faz sentido. Não se trata de defender o tipo de corporativismo que encobre erros ou falhas entre pares, passando a ideia de que todos os profissionais de determinado setor de atividade são igualmente competentes ou imunes a falhas. Há, sem dúvida, critérios de aptidão profissional mínimos, que no caso dos nutricionistas, asseguram a segurança de quem procura os seus serviços. Mas há níveis de compromisso, conhecimento ou experiência diferentes, que resultam em práticas profissionais diferenciadas. Precisamente por reconhecer estas diferenças, é necessário perguntar até que ponto faz sentido criticar o trabalho de um colega. Teve esse colega todas e as mesmas informações para tomar a decisão que tomou? Ou, a decisão “menos correta” que tomou, é apenas um passo intermédio para algo “mais correto”? Um exemplo rápido: será mais “correto” prescrever um plano alimentar nutricionalmente impecável, mas impraticável por determinado utente, ou estabelecer um plano menos rigoroso, temporário ou transitório, mas que permita a esse utente melhorar os seus hábitos rumo a uma alimentação melhor?

Por outro lado, assumindo que nos deparamos com um erro claro, é também importante saber atuar respeitosamente. Sendo absolutamente necessário lidar com o erro de alguém, é perfeitamente possível colocar o foco no ato em si, e não na pessoa que o realizou. Saber distinguir o erro da pessoa, dado que todos estamos sujeitos ao erro, e o erro não nos define como pessoa. O melhor nutricionista (ou qualquer outro profissional) pode errar. A delicadeza de criticar o trabalho de alguém sem criticar a pessoa, contribuindo assim para a sua melhoria como profissional e indivíduo, é algo que merece o nosso esforço e aperfeiçoamento contínuo.

Não sei se a probabilidade de encontrar um utente com alguma condição de saúde rara, cujas necessidades nutricionais desconheça, é maior ou menor do que a de me deparar com o erro de um colega. Mas se perante a nossa própria ignorância parece óbvio que a melhor solução passa por uma boa dose de humildade e respeito com o utente, quando confrontados com os erros dos outros, é recomendável que se faça bom uso da ética e (boa) educação!

Por Rodrigo Abreu
Nutricionista – Managing Partner na Rodrigo Abreu & Associados
Fundador do Atelier de Nutrição