27 de setembro de 2017 Um grupo de cientistas portugueses descobriu, num estudo com ratinhos, que a suscetibilidade à malária depende do metabolismo do organismo-hospedeiro do parasita que causa a infeção, divulgou hoje o Instituto de Medicina Molecular (iMM). No estudo, publicado na revista “Nature Microbiology”, a equipa do iMM, coordenada por Maria Mota, concluiu que uma dieta rica em gorduras altera o estado metabólico, aumentando o chamado stresse oxidativo, que trava a progressão da infeção. A descoberta, segundo a primeira autora do artigo, Vanessa Zuzarte Luís, poderá ajudar a perceber por que pessoas com anemia falciforme, uma doença genética do sangue caracterizada por níveis elevados de stresse oxidativo das células e com forte prevalência em África, onde a malária é endémica, estão protegidas contra a infeção. A investigadora adiantou à “Lusa” que as conclusões podem vir a explicar também por que a tribo nómada africana fulani, que tem uma alimentação rica em gorduras saturadas, que inclui leite, banha e óleo de palma, é resistente à malária. «Achamos, [neste caso], que parte da proteção destas pessoas poderá estar relacionada com o mecanismo do stresse oxidativo que os lípidos provocam no fígado», afirmou. Segundo Vanessa Zuzarte Luís, se se compreender por que é estes dois grupos populacionais – um com uma doença genética do sangue e outro com uma dieta alimentar rica em gorduras que, em ambos os casos, provocam alterações metabólicas que barram a infeção pelo parasita da malária – «talvez se consiga usar esse mecanismo para proteger todas as outras» pessoas da doença, antes de o parasita se multiplicar, contaminar o sangue e surgirem sintomas, isto é, quando ainda está alojado no fígado. Uma vacina ou um suplemento alimentar que ativem o stresse oxidativo das células hepáticas pode ser uma potencial ferramenta de prevenção da malária. «Mas ainda estamos longe disso», admitiu a cientista. No estudo, a alteração metabólica produzida nos ratinhos foi «muito rápida e transitória». Quando os roedores regressaram aos hábitos alimentares antigos, menos ricos em gorduras, passaram «a ser suscetíveis à infeção da malária». Para Vanessa Zuzarte Luís, a alteração metabólica, quando gerada, «não é um dano permanente» no hospedeiro, mas causa um «dano colateral» no parasita. Na experiência, a equipa constatou que, ao fim de quatro dias, os ratinhos infetados com o parasita Plasmodium berghei (o parasita da malária dos roedores), e sujeitos a uma dieta rica em gorduras, tinham uma carga parasitária menor no fígado, quando comparados com outros roedores de um grupo de controlo. «Cerca de 90% dos parasitas foram eliminados no fígado» ao fim desse tempo, assinalou Vanessa Zuzarte Luís. A investigadora adiantou que 30% dos animais «não desenvolveram infeção sanguínea» e os restantes, apesar de a infeção atingir os glóbulos vermelhos, «não sofreram da doença na forma mais severa» porque «têm menos carga parasitária no sangue», dado que possuem «menos carga parasitária no fígado». Num passo seguinte, a equipa científica mimetizou a dieta alimentar rica em gorduras, e o mecanismo metabólico, numa droga injetada em culturas de células de fígado humano infetadas com o parasita da malária dos roedores. No final, o parasita não sobreviveu. |