No mês passado, publicámos um artigo científico na revista Nutrients acerca das interações bidirecionais entre o ciclo menstrual, o exercício e a nutrição nas atletas femininas. Uma das conclusões óbvias é a de que deve ser feito um maior investimento na investigação com atletas do sexo feminino. E, pensando em termos históricos, é fácil perceber porque estas questões relacionadas com a mulher atleta começam apenas a surgir agora. Não é novidade que a ciência foi, no passado, tendencialmente enviesada para estudar questões mais relacionadas com o sexo masculino. Por outro lado, existe um ponto contemporâneo importante: só recentemente, nos Jogos Olímpicos de 2012, todas as modalidades passaram a ter competição masculina e feminina, com a inclusão do boxe feminino. Por outro lado, existem barreiras metodológicas à investigação, especificamente em mulheres atletas, que já tive oportunidade de explorar numa publicação anterior.
Em todo o caso, e apesar da ainda escassa investigação em mulheres, foi-nos possível identificar algumas potenciais estratégias nutricionais específicas para a mulher atleta eumenorreica e com um ciclo menstrual não influenciado por anticoncecionais hormonais.
De forma a garantir uma correta e suficiente ingestão alimentar, a disponibilidade energética (que diz respeito à energia ingerida subtraída da energia despendida no exercício e dividida pela massa isenta de gordura) deverá ser superior a 45 kcal/kg massa isenta de gordura/dia. Durante a fase lútea, devido à ação da progesterona, o metabolismo de repouso aumenta entre 100 a 300 kcal. Curiosamente, este gasto extra parece ser naturalmente compensado com aumento da energia ingerida, sendo a progesterona também a responsável pelo aumento do apetite e da ingestão alimentar. Deste modo, as mulheres deverão ter uma ingestão energética ligeiramente superior na segunda fase do ciclo – mas que já acontece como resposta fisiológica normal à variação hormonal.
Como as mulheres estão menos dependentes da oxidação dos hidratos de carbono (CHO) e oxidam mais lípidos que os homens, é teoricamente possível que as mulheres atletas necessitem de menor quantidade diária de CHO comparativamente aos homens. Tendo também em consideração que o estrogénio (em alta concentração durante a fase lútea) reduz a utilização de CHO em repouso e durante o exercício, e aumenta a oxidação lipídica, é possível pensar que as necessidades de CHO, ao longo do dia e durante o exercício, serão ainda mais baixas durante a fase lútea.
Quanto à ingestão proteica, e para a maioria das situações, os valores parecem ser sobreponíveis aos recomendados para os homens atletas (1,2 – 2,0 g/kg/dia), tendo em conta que existe uma sensibilidade anabólica semelhante entre os sexos e, também, considerando os resultados encontrados por uma revisão sistemática recente que procurou perceber quais as recomendações proteicas diárias para mulheres atletas. Sabendo que a progesterona tem um efeito catabólico (durante a fase lútea) tanto em repouso como durante o exercício, poderá haver necessidade de aumentar a ingestão proteica ao longo do dia e durante o exercício nesta fase do ciclo.
Quanto à ingestão lipídica, os valores recomendados para a população em geral pela European Food Safety Authority (20-35 % do valor energético diário) são também aplicados às necessidades diárias da mulher atleta. Tendo em conta que as mulheres têm maior dependência da oxidação lipídica para a produção de energia que os homens, é verdadeiramente importante o cumprimento destas recomendações por parte da mulher atleta. Durante a fase lútea deverá haver um cuidado ainda mais particular para o cumprimento destas recomendações, uma vez que a oxidação lipídica, nesta fase, está adicionalmente estimulada devido à ação do estrogénio.
Deste modo, é importante considerar que a maioria dos trabalhos de investigação foi, e continua a ser, desenvolvido com atletas do sexo masculino, e que só agora se começa a questionar de forma mais premente quais as necessidades específicas para atletas do sexo feminino. Acredito que mais investigação específica irá ser desenvolvida num futuro próximo, não apenas acerca da ingestão e manipulação dos macronutrientes, mas também acerca do padrão alimentar das atletas e o seu impacto a vários níveis, nomeadamente no metabolismo e no microbiota.
Mónica Sousa
Professora Auxiliar convidada, Nutrição e Metabolismo, NOVA Medical School|Faculdade de Ciências Médicas, UNL Unidade Universitária Lifestyle Medicine, CUF by NOVA Medical School
Federação Portuguesa de Atletismo
Investigadora ProNutri, CINTESIS