É sabido que o panorama da Nutrição em Portugal está longe de ser o ideal.
Em 2019, os hábitos alimentares dos portugueses, em que mais de metade apresenta excesso de peso ou obesidade, representaram o quinto fator de risco que mais contribuiu para a perda de anos de vida saudável. Para além disso, a pandemia por COVID-19 veio agravar, não só a insegurança alimentar de muitos dos portugueses, como também propiciar a alteração dos seus hábitos alimentares, na sua maioria para pior.
Sabe-se ainda que a percentagem de despesa em saúde dedicada à promoção da saúde em Portugal ronda os 1,8%, constituindo quase metade da média de 27 países da OCDE. Isto vem, novamente, corroborar a evidente falta de aposta e investimento na promoção de hábitos de vida saudáveis, nomeadamente alimentares, por parte do Estado, traduzido pela parca quantidade de nutricionistas no setor público. Segundo a Ordem dos Nutricionistas, existe falta de cerca de 1000 nutricionistas no Serviço Nacional de Saúde para cobrir as necessidades da população.
O acesso a cuidados de nutrição da população portuguesa e, por sua vez, a sua valorização, revela-se ainda escassa, sendo necessário que o Estado implemente cada vez mais estratégias que visem a integração de mais profissionais da área da nutrição perto das populações de forma a, não só acompanhar e/ou tratar patologias intimamente relacionadas com os hábitos alimentares, como também promover a sua saúde.
É certo que a profissão de nutricionista é uma profissão relativamente jovem e que carece de tempo para cimentar a sua posição e necessidade na sociedade e, de forma a batalhar nisso mesmo, ao longo do tempo temos assistido ao esforço de várias entidades, nomeadamente da Ordem dos Nutricionistas, em fazer-se ouvir perante os decisores políticos de modo a aumentar o número de nutricionistas no setor público, seja em centros de saúde, em hospitais, nas instituições do setor social, nas escolas ou autarquias.
Por outro lado, nos últimos anos temos observado um crescente número de diplomados e também um aumento do número de Instituições de Ensino Superior que ministram as licenciaturas que permitem o acesso à profissão de nutricionista, o que nos leva a crer que existem recursos humanos extremamente bem qualificados e mais que suficientes à espera de uma oportunidade para contribuir para a saúde da nossa população.
Mas finalmente parece que, aos poucos, estamos a assistir a uma maior consciencialização da importância do nutricionista nos mais diversos contextos. Pela primeira vez na história do país, uma nutricionista foi integrada na Direção de Medicina Desportiva do Comité Olímpico de Portugal nos Jogos Olímpicos Tóquio2020, prática já recorrente noutros países. O facto da iniciativa ter contado com o apoio dos próprios atletas demonstra também a crescente consciencialização da população, nomeadamente da comunidade desportiva, em relação à importância da nutrição e alimentação na sua vida.
Adicionalmente, no passado mês de julho, a Assembleia da República reconheceu o valor do nutricionista na saúde preventiva, fazendo uma recomendação ao Governo sobre a implementação de medidas de combate à obesidade. Nesta recomendação destaca-se a urgência de maior investimento na área da saúde preventiva, uma vez que um grande leque de doenças crónicas não transmissíveis, entre as quais a obesidade, podem ser evitadas ou antecipadas com a aquisição de hábitos de vida mais salutares.
A área da nutrição continua num saudável crescimento, apresentando uma relevância cada vez maior junto das autoridades e da própria sociedade, traduzindo-se na criação de novas áreas de atuação em setores de trabalho diferenciados e na expansão de postos já existentes. Hoje em dia reconhece-se que o nutricionista não está única e exclusivamente restrito às áreas tradicionais de atuação, mas que também pode ser integrado na indústria alimentar – tanto nos setores de desenvolvimento de produto como em marketing -, em centros de investigação, em estabelecimentos desportivos, entre outras áreas.
É evidente que este país à beira-mar plantado, com recursos e tradições alimentares tão ricos, parece ter todos os ingredientes para mudar o paradigma da Nutrição em Portugal e lutar por um futuro muito promissor, no que à saúde dos portugueses diz respeito. Será que nos temos feito ouvir? Nós acreditamos que sim, ainda que estejamos longe do ideal.
Rafael Costa Torres (Presidente da Direção da ANEN)
Rita Graça (Vogal da Direção da ANEN)