“Está tão magrinha, Dra…” 1881

O ecrã na sala de espera apitou e a senha 213 foi chamada ao gabinete 4. Uma senhora de idade levantou-se a custo da cadeira e, ainda com a mão agarrada à anca, avançou coxeando para mais uma consulta de nutrição, a terceira desde que colocou a prótese na cabeça do fémur. Ao passar pela porta entreaberta do gabinete, a senhora deu os bons dias e pediu licença para entrar, para logo de seguida, naquele misto de simpatia e preocupação, exclamar: “Ai doutora, está tão magrinha…!”.

Os comentários sobre o peso são sempre um assunto delicado, pois nunca se sabe ao certo como vão ser recebidos. Se alguém nos pergunta “Estás mais gordinho?” tanto podemos sentir preocupação genuína com a nossa saúde, como podemos ficar desconfortáveis porque alguém está a reparar em nós ou nos confronta com a nossa imagem corporal… Depende de quem pergunta, da ocasião ou de como nós próprios nos sentimos em relação ao peso naquele momento. Interessantemente, os comentários sobre o peso podem também revestir-se de segundos sentidos, nem sempre fáceis de interpretar. Quando duas amigas se reencontram e uma dela diz “estás mais magra!” as interpretações podem ser várias e só as intervenientes sabem qual a opção correta! “Estás mais magra!” tanto pode querer dizer que 1) na realidade só estás menos “gorda” (desdém); 2) parabéns, estás a melhorar (elogio); 3) não sei se estás mais gorda ou mais magra, mas gosto de te rever e quero dizer-te algo positivo (amor/amizade); 4) estou preocupada contigo (carinho/preocupação); 5) sempre foste magra, por isso se digo que estás mais magra é porque pareces um cadáver (inveja); 6) é óbvio que aumentaste de peso (ironia, maldade). É fácil perceber que o mesmo exercício pode ser feito com a expressão “Estás mais gordo.”, porque na realidade os comentários sobre o peso prestam-se a ser utilizados com diferentes intenções, de diferentes formas. A isto, há ainda que acrescentar algumas nuances… Por exemplo, o uso do diminutivo (“gordinho”, “magrinha”) pode revelar cuidado e preocupação da parte de quem comenta. E o uso da interrogação (“Estás mais gordo?”), da exclamação (“Estás mais gordo!”), juntamente com a entoação podem, para as mesmíssimas palavras, ter significados totalmente distintos.

Se nem sempre é fácil decifrar o significado destes comentários entre amigos ou familiares, quando as observações ao peso são dirigidas a nutricionistas, o tema pode ser ainda mais delicado. É frequentemente discutido se um(a) nutricionista pode/deve ser “gordo(a)”, mas o oposto também merece reflexão: um(a) nutricionista pode/deve ser demasiado magro(a)? Sendo certo que os padrões de beleza ou elegância atuais evoluíram no sentido de sobrevalorizar a magreza (muitas vezes, de forma extrema e tóxica), o que pensarão os utentes de um(a) nutricionista excessivamente magro(a)? Levarão em consideração as suas recomendações alimentares, se acharem que sofre de anorexia? Ou, pelo contrário, a magreza de um(a) nutricionista é o melhor cartão de visita ou demonstração de competências?

Não há, seguramente, uma resposta ou atitude única que sirva de solução a todos os comentários ou situações. Mas um ponto fundamental é não deixar que o nosso peso seja o motivo de conversa – a consulta existe para abordar o peso do utente, não o nosso. E por mais desconfortáveis que nos sintamos com o nosso peso, ou por mais orgulhosos que estejamos da nossa imagem corporal, a consulta não é o espaço para falar do nosso corpo ou da nossa “dieta”. É necessário ter noção que o nosso peso e imagem corporal têm impacto naqueles que nos procuram, e, assim, estar preparado para lidar com os comentários que possam surgir. Mas isso não nos deve fazer esquecer o propósito de fundo que nos move – ajudar quem nos procura.

Por Rodrigo Abreu
Nutricionista – Managing Partner na Rodrigo Abreu & Associados
Fundador do Atelier de Nutrição