Especialistas querem normas éticas para uso de drogas psicadélicas na saúde mental 1339

Psiquiatras e psicólogos pedem regulação para o uso de drogas psicadélicas em tratamentos de saúde mental para os quais não há outra resposta, para proteger doentes e tirar o máximo partido desta possibilidade terapêutica.

Num artigo publicado na Nature Medicine, psiquiatras, psicólogos e psicoterapeutas portugueses chamam a atenção para a importância de proteger os pacientes durante estes “estados vulneráveis de consciência alterada”, sublinhando que as drogas psicadélicas são cada vez mais reconhecidas pelos seus potenciais atributos terapêuticos.

Embora lembrem que os psicadélicos – como a psilocibina, presente nos “cogumelos mágicos”, ou o LSD -, são seguros e têm “potencial limitado para abuso”, os especialistas dizem que uma “transição perfeita dos ensaios clínicos para a prática clínica quotidiana” não está ainda garantida.

O investigador Albino Oliveira-Maia, diretor da Unidade de Neuropsiquiatria da Fundação Champalimaud e um dos autores do artigo, lembra que as terapias psicadélicas têm estado muito confinadas ao domínio da investigação e dos estudos clínicos, mas sublinha que a realidade parece estar a mudar.

Exemplifica com o uso ‘off-label’ – diferente daquele para o qual a substância foi estudada – da quetamina (até aqui usada apenas como anestésico) no tratamento de depressão e de outras perturbações, apesar da falta de “diretrizes claras, aprovação formal por agências reguladoras e recomendações sobre suporte psicológico”.

“Está a ser feita investigação em que se antecipa que (…) estas substâncias venham a ter um papel dentro da realidade regulamentar, ou seja, que possam vir a ser aprovadas como medicamentos”, explicou à Lusa o investigador.

Estas moléculas – acrescenta -, “pelo facto de fazerem uma alteração qualitativa importante do estado da consciência, irão precisar de um modelo regulamentar adaptado”.

Explicando que, normalmente, quando algumas substâncias são aprovadas para uso clínico, são definidas as indicações, as dosagens e o ambiente em que devem ser usadas (em meio hospitalar ou mais alargado), Albino Maia diz que, nestes casos, há alguns elementos que “não são do âmbito da regulamentação pelas agências do medicamento”, nomeadamente “a utilização adicional de intervenções psicológicas, seja psicoterapia, seja uma intervenção menos organizada de âmbito psicoterapêutico”.

Diz que, sendo necessário “para a eficácia ou para a segurança da substância”, esta utilização “não tem um enquadramento regulamentar claro”: “A psicoterapia escapa ao âmbito regulamentar das agências do medicamento”, sublinha.

“Sendo importante para a utilização destas moléculas, ou destes novos medicamentos, caso venham a ser aprovados, entramos num âmbito em que não temos um guia muito claro sobre o que é que deve ser feito para além da administração do medicamento”, alerta.

Também em declarações à Lusa, Miguel Ricou, da Ordem dos Psicólogos, que é co-autor do artigo, explica: “O que se pede é que comece a haver um normativo da utilização deste tipo de substâncias”.

“Isto ainda é tudo experimental e é fundamental termos consciência disso”, afirma o especialista, acrescentando: “Isto não é utilizar os fármacos e ponto final. Não funciona da mesma maneira. As sessões da toma destes fármacos são sessões experimentais, que duram entre sete e oito horas, em que os ‘settings’ são totalmente diferentes, estão sempre presentes dois terapeutas”.

Diz que os especialistas “acreditam muito no potencial destes fármacos”, sobretudo para as perturbações resistentes, em que não se conseguem resultados de outra forma, mas alerta: “Se se começa a utilizar para tudo, de forma desregulada, vai acontecer o que aconteceu nos anos 80, quando tudo começou a ter um uso criativo e acabou por se proibir”.

Para Albino Maia, isto seria “um problema particularmente grande para aqueles doentes para quem não existem alternativas”.

Para tentar definir normas éticas para o uso destas substâncias, investigadores e sociedades médicas já trabalham em conjunto. A ideia, diz Miguel Ricou, é ter um grupo de pessoas que consiga refletir e ter a legitimidade para, integrando as sociedades profissionais, (…) garantir que tudo é feito como deve ser”.

“Sobretudo numa área tão sensível como é a saúde mental, isto é importante depois se [os tratamentos] forem acessíveis a toda a população. Não vamos criar elitismos, ainda por cima na saúde mental. É essa preocupação que está presente”, reforçou.