Os equipamentos de que a saúde dispõe atualmente são muito robustos e tecnologia é o que não falta, mas a implementação de sistemas de telessaúde implica mudanças a vários níveis. Henrique Martins, professor do ISCTE, Dulce Brito, Coordenadora do Programa de Telemonitorização em Insuficiência Cardíaca do Serviço de Cardiologia do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN) e Teresa Magalhães, Coordenadora do Grupo de Trabalho para a Gestão da Informação em Saúde da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH) discutiram as vantagens da telessaúde e as dificuldades que poderão advir da sua adoção, num webinar sobre “O papel da Telessaúde para dar resposta a todos os doentes que não podem ficar esquecidos”, promovido pela Linde Saúde.
“Falta coragem para determinar que há certos subgrupos de doentes que devem, obrigatoriamente, ter certo tipo de tele cuidados. Esta é, para mim, a grande falta. É mudarmos de um pode, para um deve”, afirma Henrique Martins, ex-Presidente dos SPMS, que defende que “há falta de tudo”, menos de tecnologia e exemplos, que já não servem para explicar a falta de avanços na área da telessaúde em Portugal.
Para avançar nesta área, o professor defende a necessidade de uma “Silicon Valley da telessaúde”, incluindo os serviços públicos, as universidades e as empresas, bem como de várias outras mudanças para que este sistema seja bem sucedido.
Segundo Henrique Martins, é ainda crucial que haja uma formação das organizações de saúde, públicas e privadas, que devem preparar-se para olhar para os seus fluxos de atendimento e desenhar processos híbridos, fazendo a si próprias a questão: “Quais são as etapas onde podemos beneficiar da teleassistência?”. São precisos modelos organizacionais novos, mas também um modelo de financiamento que permita pagar de forma mais eficiente aos hospitais (com base em modelos de value based Healthcare) e a outras instituições que façam uso da telessaúde, defende o ex-Presidente dos SPMS, que deixou ainda o repto: “Quando é que a ACSS [Administração Central do Sistema de Saúde] vai alterar o modelo de financiamento?”.
Para Dulce Brito, cardiologista e coordenadora do programa de seguimento de doentes com Insuficiência Cardíaca do Serviço de Cardiologia do CHULN, será importante “ouvir e consultar quem está no terreno”, alertando que para colocar este sistema em prática não basta envolver, por exemplo, diretores de informática. Embora sejam fundamentais, não basta termos a pessoa que “constrói a ponte”, é necessário saber construí-la.
Segundo a cardiologista, é crucial que exista um trabalho conjunto entre doente, equipa de monitorização e o médico, que têm de trabalhar para um objetivo comum para que o sistema tenha sucesso, defendendo que o doente é o elemento mais inconstante. Em vários países, estes sistemas acabaram por não resultar, porque os doentes deixam de cumprir com a sua parte. “Se o doente não se automonitorizar todos os dias e não enviar os seus dados, não há telemonitorização”, frisa.
É preciso saber “o que se deseja com a telemonitorização, para que populações serve e como é que se gere a logística” no sistema de saúde existente. Mas também “não é preciso nomear uma comissão e demorar 10 anos”, frisa, explicando que os sistemas têm de ser adaptados às necessidades de cada doente. “Cada instituição, ao seu nível e na sua região, tem necessidades diferentes. Se viver numa aldeia a 100 quilómetros do meu médico, tenho necessidade da telessaúde de uma forma, até para coisas fundamentais e básicas, que outra pessoa que vive ao lado do hospital não tem”, exemplifica.
“A personalização é impossível em termos mundiais, mas é possível fazermos mais do que aquilo que temos feito. É preciso organização e saber colocar as pessoas certas a dar palpites nos locais certos, se não corremos o risco de investir em vão e de não ter resultados bons para os doentes”, defende Dulce Brito, revelando que no Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte as hospitalizações de pessoas com insuficiência cardíaca diminuíram 71% graças à telemonitorização, um dos objetivos primários desta.
A propósito disto, Teresa Magalhães, professora na Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa e coordenadora do Grupo de Trabalho para a Gestão da Informação em Saúde da APAH, defendeu que a telessaúde complementar, para além dos benefícios que tem para os doentes, será benéfica para a organização dos recursos internos das instituições, lamentando a falta de reconhecimento que antes existia por parte dos Conselhos de Administração dos Hospitais relativamente aos benefícios da implementação de programas de telemonitorização.
Hoje, depois do período pandémico que passou, a professora acredita que as opiniões seriam diferentes. “Percebeu-se que a telessaúde é complementar e uma resposta evidente para a prestação e para poder chegar aos doentes e organizar internamente as instituições de outra forma”, explicou. A implementação destes programas “requer resiliência, muita persistência de todos e é um trabalho conjunto que demora a chegar lá”, sendo que a iliteracia em telessaúde é apontada como uma das grandes barreiras para a implementação destes programas, acrescentou Teresa Magalhães.
Além disto, a professora aponta ainda a contratualização da telessaúde como uma necessidade a considerar nos contratos de saúde entre a tutela e os hospitais para lidar com esta nova realidade.
Este webinar contou ainda com a participação de Maria João Vitorino, Diretora da Linde Saúde Portugal, que lançou o mote para a conversa: “Telessaúde: solução complementar para os doentes não-covid?”, partilhando a experiência de uma companhia que é um dos maiores prestadores de serviços de telemonitorização e telessaúde em Portugal.