Em ciência, não podemos atalhar caminho! 1194

As doenças hereditárias do metabolismo das proteínas têm abordagens terapêuticas muito centradas na nutrição. O exemplo flagrante é a Fenilcetonúria (PKU), onde, em face das restrições alimentares impostas, é imperiosa a suplementação com substitutos proteicos. Todavia, o seu mau odor e sabor coloca sérios entraves à adesão ao tratamento.

Na última década surgiram substitutos proteicos à base de glicomacropeptídeo, um péptido obtido através do processo de fabrico do queijo. A melhor palatibilidade e a sua estrutura de péptido têm sido salientadas. Na verdade, é conhecida a diferente cinética de absorção intestinal dos aminoácidos veiculados na sua forma livre comparativamente aos resultantes de processos de digestão de proteína intacta. Este aspeto pode contribuir para a definição do destino metabólico dos aminoácidos, com efeitos ao nível do estado nutricional. Importa, contudo, clarificar que as fórmulas à base de glicomacropeptídeo não são integralmente constituídas por proteína intacta. Sendo o glicomacropeptídeo um péptido incompleto, é necessária a adição de aminoácidos livres para equilibrar a fórmula. O que não está profundamente estudado é justamente a absorção dos aminoácidos provenientes de fórmulas à base de glicomacropeptídeo. É nesta pergunta que se centra o trabalho da Dr. Anne Daly, do Birmingham Children’s Hospital, no qual participei, recentemente publicado na revista científica interncional Nutrients, com o título “Preliminary Investigation to Review if a Glycomacropeptide Compared to L-Amino Acid Protein Substitute Alters the Pre- and Postprandial Amino Acid Profile in Children with Phenylketonuria”. Foram incluídas crianças com PKU, de diagnóstico precoce, com idades entre os 5 e os 16 anos e tratadas apenas com intervenção nutricional. A absorção pré- e pós-prandial foi avaliada num momento, após 6 meses de tratamento dos doentes com uma formulação de glicomacropeptídeo ou de aminoácidos livres. Em jejum, os doentes fizeram ingestão de 20g de equivalente proteico proveniente da fórmula a que estavam alocados, para além de um pequeno almoço com aporte proteico controlado. Aparentemente, as concentrações séricas pós-prandiais de aminoácidos parecem refletir o perfil de aminoácidos de cada formulação usada. Na verdade, os resultados deste ensaio preliminar não mostraram nenhuma vantagem na inclusão do glicomacropeptídeo, tendo por base as concentrações de aminoácidos pós-prandiais. Todavia, é muito importante salientar que neste trabalho apenas foram comparadas as concentrações basais com as obtidas 2 horas após o pequeno almoço, pelo que, não temos informação sobre o timing do pico de absorção, bem como, o seu previsível impacto na insulinemia e glicemia.

Mais uma vez ressalta a importância de não olharmos meramente para a composição nutricional de um alimento, mas sim ir sempre em busca do seu potencial impacto metabólico. Ainda que, aparentemente, determinadas formulações possam parecer fortemente promissoras, exige-se atualmente elevado espírito crítico, não ultrapassando etapas na busca da melhor evidência científica. Fica um exemplo na área da PKU, mas acredito profundamente que este exemplo terá espelho em muitas outras áreas das ciências da nutrição.

 

Júlio César Rocha, PhD
Professor Auxiliar na NOVA Medical School, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Nova de Lisboa
Investigador, Pronutri – Clinical Nutrition & Disease Programming – CINTESIS
Nutricionista, PhD | 0438N
Membro do Council do SSIEM – Society for the Study of Inborn Errors of Metabolism
Chair do SSIEM-DG – Dieticians Group of the SSIEM
Membro do Painel Europeu das Guidelines para a Fenilcetonúria
Membro do European Parliament Cross-Party Alliance on Phenylketonuria