Nunca, como hoje, as preocupações em torno do peso e saúde moldaram a forma como comemos. Para um número significativo (e crescente) da população “fazer dieta” tornou-se parte da sua rotina. Nos EUA, de acordo com os últimos dados disponíveis, quase 1/5 dos adultos fez ou está a fazer dieta. Por cá, os trabalhos existentes revelam números ainda mais altos de população a tentar controlar o peso, o que frequentemente se traduz também em mudanças na forma de comer. Estas preocupações deram origem a uma indústria de suplementos e produtos para perda de peso, geraram um boom no número de profissionais da dietética e nutrição (e também de curiosos, que se dedicam a aconselhar soluções de emagrecimento) e têm moldado de forma definitiva a oferta de alimentos e bebidas da indústria agroalimentar. De tal forma, que é hoje inquestionável a importância da adoção de bons hábitos alimentares e existem políticas para isso mesmo.
Agora, imaginemos que não era mais uma mentira típica de 1 de abril: imaginemos que tinha sido inventado um comprimido mágico que permitisse a redução de massa gorda, prevenisse a acumulação de gordura e revertesse todas as comorbilidades associadas à obesidade. Não interessa o mecanismo de ação ou o formato, imaginemos apenas uma solução de toma/intervenção única que resolvesse o problema do peso excessivo de uma vez por todas, sem contraindicações nem efeitos secundários. Neste cenário de uma pílula mágica contra a obesidade, atualmente improvável, que papel ficaria reservado para os nutricionistas?
De um modo geral, as populações começam a estar moldadas para o conceito de alimentação saudável ou equilíbrio nutricional. Mas se fosse possível comer sem preocupações de engordar, como se alterariam os hábitos alimentares? As pessoas passariam a comer apenas guiadas pelo prazer ou condicionadas pelo preço? Ou ganhariam relevância aspetos como a sustentabilidade, comércio justo e impacto ambiental? Comer deixou de ser apenas uma questão de ingerir nutrientes para sobreviver ou manter a saúde. Comer envolve os aspetos do prazer sensorial e por isso continuamos a ingerir alimentos não nutritivos ou menos benéficos porque gostamos de os saborear. Comer é um ato social e por isso celebramos as mais diversas ocasiões da nossa vida em torno da mesa e da comida. Comer é também uma forma de expressão individual, como demonstram as diversas modas alimentares e as inúmeras causas associadas à alimentação. É importante que o nutricionista incorpore todas estas dimensões da alimentação na sua prática, uma vez que o seu trabalho não se esgota na “simples” seleção de nutrientes. Embora hoje nos pareça um cenário distante, é plausível que possam surgir soluções que resolvam de forma mais ou menos definitiva os problemas da obesidade. Isso não será o fim dos nutricionistas, se a nossa atuação integrar os aspetos nutricionais numa visão mais holística da alimentação e do indivíduo.
A “pílula mágica contra a obesidade” deve ser um lembrete da relevância que os nutricionistas têm de saber dar à sua atuação. Uma forma de nos recordar que não somos apenas prescritores de dietas, que não estamos aqui apenas para contar calorias e emagrecer pessoas. No fundo, o exercício de imaginar a “pílula mágica” serve de alerta para aprendermos a conciliar as ciências da nutrição com a evidência existente nas áreas comportamentais, sociais, económicas e ambientais que rodeiam alimentação.
Rodrigo Abreu
Nutricionista – Managing Partner na Rodrigo Abreu & Associados
Fundador do Atelier de Nutrição