É preciso “fomentar uma campanha de amamentação que comece na escola” 1310

Estabelecida pela World Alliance for Breastfeeding Action (WABA), pela UNICEF e pela Organização Mundial de Saúde (OMS), a Semana Mundial do Aleitamento Materno celebra-se de 1 a 7 de agosto.

“Durante emergências, incluindo as do Afeganistão, Iémen, Ucrânia, Corno de África e no Sahel, a amamentação garante uma fonte de alimento segura, nutritiva e acessível para bebés e crianças”, afirmam Catherine Russel, diretora executiva da UNICEF, e Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS. Numa declaração conjunta, os responsáveis destacam que a amamentação “oferece uma poderosa linha de defesa contra a doença e todas as formas de desnutrição infantil, incluindo a emaciação”, instando governos a atentar nesta temática.

Em entrevista à VIVER SAUDÁVEL, a nutricionista do Hospital de São João, no Porto, e professora da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto (FCNAUP) Diana Silva faz um retrato acerca da importância do leite materno para os recém-nascidos e dos cuidados que a mãe deve adotar, afirmando que a consciencialização desta temática deveria começar junto de alunos adolescentes nas escolas.

“A amamentação não tem classe social ou grau de literacia”

Do ponto de vista nutricional, o leite materno configura-se como “o primeiro alimento para qualquer recém-nascido” e apresenta “macro e micronutrientes ajustados às necessidades do bebé”. Enquanto conceito universal, “o leite materno é o primeiro alimento ideal para qualquer recém-nascido”, afirma Diana Silva.

Em situações de pobreza, “onde a desnutrição é transgeracional” e a precariedade recorrente, “o leite materno torna-se ainda mais precioso”, sendo “evidente que tomar conta da grávida e orientá-la em todos os aspetos da sua gestação, nomeadamente para uma alimentação equilibrada, é fundamental”. No entanto, para a professora da FCNAUP, “a amamentação não tem classe social ou grau de literacia, é o leite da espécie humana”.

Com a investigação a comprovar que “o leite materno consegue garantir um crescimento ou desenvolvimento adequado na sua exclusividade” durante, de modo preferencial, os primeiros seis meses de vida, Diana Silva admite contudo que “as coisas começam a piorar” em ambientes e países com maiores níveis de pobreza. Com “a introdução da alimentação diversificada, as mães não têm nem educação, orientação ou cuidados de saúde que possam assegurar estas situações”, uma altura crítica que coincide com o declínio do leite materno.

“Não há alimentos que aumentem a produção do leite materno”

Reiterando não ser correto afirmar que o leite materno é “melhor” que o leite de fórmula, até “porque a indústria tem feito um esforço para melhorar a composição das suas fórmulas”, a nutricionista prefere destacar que o leite materno apresenta “o perfil ideal”. “Claro que o leite materno tem vantagens do ponto de vista psicoafectivo, é o primeiro contacto com a mãe”, destaca, clarificando que o leite de fórmula é “uma segunda alternativa segura”.

A nutricionista Diana Silva defende a necessidade de mais ligas de amamentação em Portugal

Diana Silva lembra a necessidade, por parte das mães, de adotar um conjunto de “cuidados com bebidas alcoólicas e com o tabaco, que é completamente proscrito na amamentação”. Também grandes quantidades de “bebidas excitantes como o chá e o café devem ser controladas”, bem como pratos “muito condimentados com especiarias”. “Não há alimentos que aumentem a produção do leite materno, o que aumenta é a estimulação mamária”, diz. Ou seja, “quanto mais vezes a mãe puser o bebé ao peito, mais estimula a produção de leite”.

A professora da FCNAUP garante que “a amamentação é o grande protetor da saúde do bebé e que há aspetos imunológicos que são transmitidos pela amamentação: anti-infeciosos, principalmente o colostro, muito rico em imunoglobulinas, prevenindo doenças e alergias”, ao promover uma imunidade “mais sustentável no tempo”.

Proximidade no trabalho, suporte familiar e visibilidade social

“É preciso criar condições para as mulheres se sentirem seguras por puderem amamentar e isso tem muito a haver com a parte laboral”, defende Diana Siva. A nutricionista garante que, como são o caso das creches em hospitais, fábricas ou empresas, “se as mães tiverem a possibilidade de ter os seus bebés perto delas, elas vão prolongar a amamentação”. Caso contrário, e mesmo garantindo a possibilidade de guardar o leite materno, um contexto precário que obrigue a mãe a regressar ao trabalho em pouco tempo afeta “toda a parte emocional, aí começa o declínio da amamentação”. A consciencialização da temática, diz, deve “acontecer na adolescência”: “Tem de se fomentar uma campanha de amamentação que comece na escola, como a alimentação saudável”.

A própria proximidade e suporte familiar são importantes para uma maior tranquilidade. “Amamentar parece fácil mas precisa de muito apoio e motivação, os companheiros têm um papel fundamental, até a própria família”, diz, enquanto reconhece que Portugal ainda está atrasado na proliferação de ligas de amamentação. “São mulheres que amamentaram e transmitem a sua experiência a outras mulheres, que as apoiam”, assegura.

Com 41 anos de profissão, Diana Silva reitera que já viu vários contextos sociais e que acompanhou a evolução, garantindo que a amamentação em locais públicos já não é tema de preconceito. “Para nós ocidentais, há anos atrás era algo feito mais às escondidas, recatado, mas hoje já se vê isso num avião, na praia… nos países de África é normalíssimo, não há preconceito“, continua. A professora da FCNAUP destaca ainda a importância de “equipas multidisciplinares onde a nutrição, a enfermagem e a medicina” promovem uma maternidade segura.