Disseram-nos que era uma profissão com futuro 7201

Com a maturidade própria de quem tem 18 anos acabados de fazer, tive de escolher os cursos a que iria concorrer no acesso ao Ensino Superior. Para trás tinham ficado testes psicotécnicos para identificar as minhas aptidões e vocação, e muitas horas de conversa com as mais diversas pessoas. “Tens de escolher uma coisa que realmente gostes de fazer!” e “Escolhe um curso com saída!” foram os conselhos que mais ouvi. Quando entrei para Nutrição, todos me diziam que seria uma profissão com futuro.

Curso acabado, veio o choque com a realidade. Sim, a importância do nutricionista era reconhecida, mas ainda não havia mercado. A profissão não estava totalmente definida nem regulada (ainda a sofrer as normais dores de crescimento), e não havia entrevista de emprego onde não me perguntassem qual a diferença entre nutricionistas e dietistas. Antes das redes sociais, os nutricionistas eram exclusivamente vistos como alguém que sujeitava as pessoas com peso excessivo a dietas rigorosas… Muitos colegas de curso acabaram por usar a licenciatura para mudar para Ciências Farmacêuticas, Medicina Dentária ou Medicina. E, dos que terminaram o curso, vários migraram para outras áreas de atuação.

Depois, veio o reconhecimento da profissão. Um período em que se assistiu à proliferação de consultas de nutrição e fazer dieta deixou de ser apenas uma prescrição médica para se tornar parte do estilo de vida. Aos poucos, outros setores de atividade começavam a olhar para o nutricionista, caso do desporto, restauração e indústria alimentar. Com a criação de uma Ordem na agenda, aumentou também o número de cursos nas áreas da Nutrição e Dietética, o que viria a popularizar definitivamente a profissão. Os alunos destes cursos já queriam, na sua grande maioria, ser nutricionistas. Alimentava-os a esperança de uma profissão de futuro que, agora sim, ia proporcionar emprego e bons salários.

Mas o boom de cursos inundou o mercado de trabalho com recém-licenciados. A reduzida dimensão (em número e valor) do mercado português e as crises de 2008 e 2011, levaram a que rapidamente se passasse do potencial de uma nova profissão à incapacidade de oferecer as condições de emprego que muitos sonharam… No SNS ou nas Autarquias, as tão necessárias contratações avançam a conta-gotas. Nos ginásios, farmácias e restauração coletiva, setores que empregam um número considerável de profissionais, os colegas afirmam o valor da profissão sem que o mercado os possa sempre compensar como talvez gostassem e merecessem. E com todos os efeitos económicos da atual pandemia ainda por apurar, a situação poderá não melhorar tão cedo, adiando mais uma vez sonhos e expetativas.

De facto, as dificuldades laborais sentidas pelos nutricionistas em Portugal são partilhadas por várias outras profissões, sobretudo nos recém-licenciados. O mercado de trabalho é pequeno e o aumento consistente de empregos criados no setor da saúde e apoio social, simplesmente não acompanha o número de novos licenciados. Custa ouvir os desabafos dos mais novos, em busca de emprego, mas é importante não criar ilusões, nem alimentar pessimismos. Apesar das perceções negativas, o nº de colegas a reportar situação de desemprego tem vindo a diminuir consistentemente desde 2013, situando-se atualmente nos 5,1% (muito perto dos 4,4% da média dos licenciados nacionais). E se o rendimento bruto entre os licenciados em Nutrição é mais baixo que a média nacional, isso só ressalva que atualmente o desafio já não é explicar o que faz o nutricionista ou demonstrar as mais valias que pode aportar. Hoje, com todo o percurso realizado e recursos à disposição, o desafio é não banalizar a profissão, marcando a diferença na qualidade e relevância daquilo que fazemos. Prova disso são os vários jovens colegas a destacar-se em Portugal e no estrangeiro, em empregos que vão da inovação alimentar à tradicional prática clínica. Não é um caminho fácil nem óbvio, mas é o único para o futuro que todos sonhámos.

Por Rodrigo Abreu
Nutricionista – Managing Partner na Rodrigo Abreu & Associados
Fundador do Atelier de Nutrição