Ao longos dos anos cada vez é maior o conhecimento sobre o ser humano, a sua fisiologia e o seu metabolismo. Neste sentido, foram desenvolvidos vários estudos para compreender quais as necessidades energéticas inerentes ao desenvolvimento, reprodução, manutenção e movimento do Homem. Contudo, são escassos os estudos, com uma população significativa, que evidenciam como é que estas necessidades variam ao longo da vida.
De facto, não foram raras as vezes que ouvimos dizer ‘havia uma fase em que podia comer tudo e que não ganhava peso’. Sabemos que a composição corporal, o metabolismo e a atividade física não são constantes ao longo da vida, podendo variar muitas vezes em conjunto, o que complica o estudo de como estes fatores determinam o gasto energético diário total.
No passado mês de agosto, vimos publicado na revista Science o artigo “Daily energy expenditure through the human life course” que investigou o papel da idade, da composição corporal e do sexo no dispêndio energético diário total e basal com recurso a um banco de dados de medições de água duplamente marcada, método gold standard. Este estudo englobou uma amostra diversificada (29 países), grande (n = 6421 indivíduos; 64% mulheres) e com elevada amplitude de idades (entre os 8 dias e 95 anos).
As principais conclusões foram que o gasto energético diário total e basal aumentam com a massa livre de gordura de uma forma proporcional, com quatro fases da vida distintas. Parece que o metabolismo atinge um pico mais cedo e que o seu declínio (inevitável) tem início mais tarde do que se poderia pensar.
A primeira fase refere-se aos recém-nascidos, que no primeiro mês de vida tem um dispêndio energético ajustado para o tamanho equivalente aos adultos e só depois estes valores aumentam. Entre os 9 e 15 meses de idade, o gasto energético total e basal ajustados são cerca de 50 % superiores aos dos adultos. Apesar de esta ser uma fase de crescimento exponencial, estando os resultados ajustados para o tamanho, o aumento verificado nos gastos é substancialmente superior ao esperado. Note-se que este período inicial de aceleração metabólica corresponde a um período crítico no início do desenvolvimento, no qual o crescimento frequentemente falha em populações nutricionalmente vulneráveis.
A segunda fase engloba a infância, adolescência e juventude (1 aos 20 anos), em que o dispêndio energético total e basal continua a aumentar com a idade, de acordo com o teor de massa livre de gordura. Contudo, quando o gasto total e basal ajustados para o tamanho diminuem constantemente.
Na terceira fase, idade adulta (20 a 60 anos), gasto energético diário total e basal ajustados para o tamanho permanecem estáveis. O sexo não influenciou o gasto total em modelos multivariados com a massa livre de gordura e a massa gorda, nem a análise do dispêndio energético total ajustado. De destacar que tal estabilidade também se verifica durante a gravidez, ou seja, também o crescimento do feto mantém uma taxa metabólica ajustada para a massa livre de gordura semelhante à dos adultos e que é consistente com os gastos ajustados dos recém-nascidos no primeiro mês após o nascimento.
Na quarta fase (a partir dos 60 anos), os dispêndios total e basal começam a diminuir com a massa livre de gordura e a massa gorda, cerca -0,7 ± 0,1 % por ano. Indivíduos com mais de 90 anos mostraram ter um gasto energético diário total ajustado cerca de 26 % inferior ao dos adultos de meia-idade. O declínio da taxa metabólica nos adultos mais velhos pode aumentar o risco de ganho de peso.
Mais uma vez, dada a íntima relação do dispêndio energético com a massa livre de gordura, vemos referenciada a importância do estabelecimento de estratégias nutricionais e de estilos de vida que permitam a preservação da massa livre de gordura e um envelhecimento ativo. Contudo, os autores alertam para o facto desta desaceleração no metabolismo também poder estar relacionada com a perda da função/capacidade de produção de energia a nível celular, fator que carece de maior investigação no futuro.
Por último, sendo esta uma crónica sobre atualidades em ciência não queria deixar de referir que, embora os estudos ainda sejam pré-clínicos, o microbiota intestinal também é capaz de modificar o metabolismo e a função do músculo esquelético, devido à produção de ácidos gordos de cadeia curta (AGCC). Os AGCC parecem influenciar o metabolismo de lipídios, hidratos de carbono e de proteínas neste tecido. A evidência de uma associação entre os AGCC é ainda sublinhada pelo papel emergente dos AGCC na promoção da performance em exercícios de resistência. Ligação que justifica a proposta do eixo músculo-intestino.
Assim, valerá a pena investir no papel que o microbiota pode ter no metabolismo e dispêndio energético diário total enquanto modulador também da funcionalidade celular da massa livre de gordura.
Inês Barreiros Mota
Nutricionista (3718N), Técnica Superior NMS-UNL e PhD Student
Investigadora Comprehensive Health Research Centre (CHRC)