A diretora da NOVA Medical School defende que o país tem de aproveitar o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para mudar o paradigma do sistema de saúde, integrando cuidados e fazendo nascer projetos que sejam sustentáveis no futuro.
Helena Canhão, que falava à Lusa a propósito do encontro Serviços de Saúde – 50 anos, o passado e o futuro, que decorre na quarta-feira, reconhece o progresso do Serviço Nacional de Saúde ao longo de 50 anos, mas lembra que a realidade hoje é diferente. Houve uma “grande alteração demográfica” e a população é agora envelhecida, com doenças crónicas e precisa de respostas diferentes.
“Esta é uma oportunidade. Mas o Plano de Recuperação e Resiliência é ‘one shot’, por isso temos de o aproveitar. Depois, temos de fazer escolhas que sejam sustentáveis no futuro, senão, a seguir, não há PRR que nos salve”, disse a responsável.
A conferência, que vai decorrer no futuro campus da Nova Medical School, em Carcavelos, faz parte das iniciativas que antecedem as Conferências do Estoril, que acontecem em outubro.
A especialista, que é igualmente presidente do Conselho de Escolas Médicas Portuguesas, recorda que as várias conquistas em termos de saúde nos últimos 50 anos reduziram as doenças infecciosas e a mortalidade infantil e levaram a população a viver mais tempo, mas diz que agora é preciso uma mudança para tornar o sistema de saúde mais sustentável.
“Este grande objetivo de aumentar e prolongar as nossas vidas também nos levou a um excedente no índice de envelhecimento, que é o número de pessoas acima dos 65 anos sobre o número de jovens até aos 15 anos. Portugal é hoje um dos países com maior índice de envelhecimento da Europa”, afirmou.
Para lidar com estas mudanças demográficas, com a população envelhecida, com doenças crónicas e a precisar de mais cuidados de saúde, o sistema “tem de ser diferente” e “ter respostas que antes não eram necessárias”.
Recorda que o sistema de saúde português foi desenhado “para se centrar muito nas consultas, que eram periódicas, e muito baseado na urgência de porta aberta, em vez de apoiado na comunidade”, e defende uma “reviravolta na forma de resposta e de acesso aos cuidados de saúde”.
“Precisamos de uma resposta mais preventiva e muito mais investimento no apoio na comunidade, com relação com outros ‘players’, por exemplo, os sociais, por causa das respostas que temos de ter para os idosos”, afirmou, considerando incomportável pensar que uma pessoa aos 70 anos, quando não poder estar em casa com apoio de cuidados domiciliários, tem de ir para um lar e ficar lá “mais 20 anos, até aos 90”.
Aponta a inversão de peso entre o setor público e privado – “antes tínhamos os recursos todos no público e hoje o privado, em termos de notoriedade, está quase ao nível do público” – e lembra que os profissionais de saúde têm agora ofertas mais aliciantes no privado e que as condições no setor público se foram degradando, com o Serviço Nacional de Saúde (SNS) a perder competitividade.
Contudo, insiste na necessidade de manter “um serviço universal”, com o SNS a prestar apoio a quem precisa e está doente, mas defende que é preciso, do ponto de vista da organização, “um sistema inteligente que vá buscar ao privado também uma contribuição para o público”.
“Tem de haver esta articulação para o bem de todos nós e da sustentabilidade do sistema”, acrescentou, destacando importância do papel que os municípios podem desempenhar na área social, “evitando que quem não tem de estar internado possa estar em casa”.
Como exemplo, contou à Lusa que atendeu em consulta um casal de 80 anos, em que a mulher tinha tido um Acidente Vascular Cerebral (AVC) e estava incapacitada. O homem, além da esposa, também tomava conta de dois filhos: um deles, com 60 anos, também tinha tido um AVC e o outro, com 55, tinha uma doença neurodegenerativa.
“Ele estava a tomar conta de dois filhos e da mulher. Não podia fazer fisioterapia e não tinha dinheiro para nada, é um desespero ver estas pessoas assim”, lamentou.