
Por Sara Barreto, Coordenadora do Departamento de Ação Social da Direção da ANEN, e Joana Rosa, Vogal do Departamento de Ação Social da Direção da ANEN
Reconhecida pela UNESCO como Património Cultural Imaterial da Humanidade, a Dieta Mediterrânica caracteriza-se por ser uma dieta intrinsecamente relacionada com os países ao largo do mar Mediterrâneo, entre os quais Portugal. Esta tem sido associada a diversos benefícios para a saúde, entre os quais a redução da prevalência de variadas doenças crónicas e menor mortalidade por todas as causas. Tendo isto por base, a questão que se impõe é: será esta dieta um ideal inatingível para uma proporção significativa da população?
A crescente valorização da Dieta Mediterrânica, enquanto padrão alimentar de referência, sendo inclusive promovida por entidades de saúde e governamentais, contrasta com uma redução evidente do consumo real e concomitante aumento dos desafios socioeconómicos que muitas famílias enfrentam, em Portugal. De notar que muitos produtos-base deste regime alimentar têm sofrido um aumento do preço, ao longo dos últimos anos, e, especialmente, em 2025. Desde o início do presente ano civil, observou-se um aumento de cerca de 10% no preço de vários tipos de pescado, aumento este que pode chegar quase aos 20% nos cereais (1). Um cabaz alimentar, que outrora chegou a custar cerca de 180 euros, atualmente, encontra-se perto dos 240 euros – se considerarmos esta diferença de 60 euros, a quantia investida em cabazes mensais durante 12 meses, no passado, chegou a permitir a compra de cabazes para 16 meses (1). Em contrapartida, produtos ultraprocessados, com elevado teor de açúcares e gorduras, por se encontrarem a preços mais acessíveis, figuram, assim, opções mais aliciantes para o poder financeiro de várias famílias – motivando um cenário em que o preço da alimentação se sobrepõe à sua qualidade.
Simultaneamente, assiste-se a uma sobrecarga geral laboral e académica, o que se traduz em menos tempo disponível e possível de ser dedicado à preparação, confeção e consumo das refeições diárias, conduzindo à procura por soluções mais acessíveis e rápidas, como produtos ultraprocessados e fast-food – estimulando, uma vez mais, um cenário em que a qualidade da alimentação não é prioritária. Estes hábitos e prioridades tendem a ser perpetuados no seio de cada agregado familiar e círculo social, pelo que uma criança cujos pais e cuidadores não vejam na qualidade da alimentação uma preocupação, estará, igualmente, menos sensibilizada para este tema, podendo, inclusive, não saber distinguir hábitos alimentares saudáveis dos menos saudáveis.
É ainda inegável a baixa literacia nutricional e alimentar da população. O desconhecimento acerca da Dieta Mediterrânica, dos seus princípios e benefícios e de como efetuar escolhas alimentares saudáveis podem também ser vistos como um fator determinante para a deterioração da qualidade da alimentação. Adicionalmente, esta desinformação leva à propagação de crenças de base alimentar que podem, de igual forma, ser uma barreira à obtenção de uma dieta perto do ideal.
Em suma, é de grande urgência olhar para a alimentação e nutrição como uma prioridade na vida das populações, através da realização de intervenções na comunidade, da tomada de medidas políticas que protejam as famílias economicamente mais fragilizadas dos preços elevados dos bens alimentares frescos e da valorização do tempo dedicado à família e à construção de hábitos saudáveis. Nutrir o conhecimento, alimentar estilos de vida saudáveis e potenciar uma maior acessibilidade financeira a dietas equilibradas, variadas e adequadas, como a Dieta Mediterrânica, são, não só desafios do presente e do futuro, mas também oportunidades de exponenciar os seus benefícios em prol do bem-estar da população.
Referências Bibliográficas:
(1) https://www.deco.proteste.pt/familia-consumo/supermercado/noticias/precos-estao-aumentar-alimentos