Considerando o tema da saúde mental, e particularmente a ameaça da doença mental a que daremos particular destaque em 2024, começamos o ano com o estado da arte relativamente à dieta e depressão pós-parto.
A depressão pós-parto é definida como episódios (sejam eles major ou minor) de sintomas depressivos que surgem até um ano após o nascimento do bebé. A Organização Mundial de Saúde mostrou, em 2015, que pelo menos 13% das mulheres sofrem de algum tipo de doença do foro mental, principalmente, depressão, imediatamente após o nascimento do lactente. É também importante clarificar que esta taxa está ainda subreportada, principalmente em países com baixos rendimentos.
As causas podem ser variadas, e a realidade é que a vulnerabilidade genética e biológica de cada mãe é determinante. O conhecimento dos mecanismos moleculares associados ajuda a sustentar a relação inversa que se encontra entre comportamentos alimentares e a depressão pós-parto, quer em estudos epidemiológicos, observacionais, quer em estudos de intervenção.
Os dados na literatura sobre a Dieta Mediterrânica e a depressão começam a ser muitos. Uma das razões moleculares é que a inflamação crónica de baixo grau, promovendo neuroinflamação, estará associada a uma ativação do catabolismo do triptofano, resultando numa menor disponibilidade deste aminoácido para a síntese do neurotransmissor, a serotonina. Assim se compreendo que haverá vantagem em associar, à terapêutica farmacológica com alvo terapêutica a inibição da recaptação da serotonina, estratégias de baixar o estado de inflamação, ou seja, mecanismos moleculares de resolver a inflamação.
Falando em prevenção, embora seja reconhecido que a falta de nutrientes específicos, como alguns dos ácidos gordos polinsaturados ou o zinco ou algumas vitaminas do complexo B como a B6, estão associados a um maior risco de desenvolver depressão pós-parto, o impacto dos padrões alimentares era incerto até há pouco tempo. Uma revisão sistemática publicada em 2023 revelou quais os padrões alimentares que estão mais ou menos associados a esse risco.
Nesta revisão, de Sun et al. (2023), os estudos mostraram que a adesão a um padrão alimentar adequado durante a gravidez, diminuía de forma significativa o risco de desenvolver depressão pós-parto, entre as 8 e as 10 semanas após o nascimento do bebé, entre as 8 semanas e 33 meses após o parto e ainda durante os primeiros três meses pós-parto.
Nestes casos, o padrão alimentar caracteriza-se pelo consumo regular de hortofrutícolas, leguminosas, frutos gordos oleaginosos, azeite, produtos lácteos fermentados e, ainda, peixe e cereais integrais, sendo o elevado e variado consumo de peixe importante para esta condição. Denota-se, assim, que a alimentação variada que consta nos padrões destes estudos é típica dos princípios da Dieta Mediterrânica.
Sabe-se que a adesão à Dieta Mediterrânica contribui, de forma favorável, quer sobre o microbiota intestinal, quer nos níveis de EPA (ómega 3, ácido eicosapentaenóico) o que explica, pelo menos em parte, os benefícios metabólicos, também associados ao menor risco de neuroinflamação.
Mais ainda, sabe-se que níveis baixos de vitamina D na mãe durante a gravidez estão associados a mais risco de algumas doenças no filho, como a esquizofrenia, entre outras. Assim os níveis desta vitamina, que é uma hormona, também será um dos fatores a considerar, dentro do estilo de vida, para maior ou menor risco de depressão pós-parto. A verdade é que mais do que a Dieta (Mediterrânica), o grande benefício está associado ao estilo de vida, tipicamente com atividades ao ar livre, pressupondo que os níveis desta vitamina/hormona também são os adequados e necessários. Assim, os estilos de vida durante e após a gravidez desempenham um papel crucial na prevenção da depressão pós-parto.
Em estudos de intervenção a evidência vem no mesmo sentido, num estudo também publicado em 2023, em 1221 mulheres com gravidez de alto risco, a intervenção com a Dieta Mediterrânica, levou a uma menor perceção de stresse e de ansiedade e ainda melhor qualidade no sono, por comparação com o grupo controlo (Casas et al., 2023).
Num estudo transversal, realizado na Grécia e também publicado em 2023, para avaliar potenciais relações entre a depressão pós-parto e a adesão à Dieta Mediterrânica, características antropométricas e sociodemográficas, práticas de amamentação e resultados perinatais, associavam-se de forma interessante. Este estudo incluiu 3941 mulheres que se encontravam no período pós-parto. Avaliando a depressão pós-parto com a Escala de Depressão Pós-Natal de Edimburgo e a adesão à Dieta Mediterrânica com o MedDietScore, Papadopoulou evidenciou que a maior adesão à Dieta Mediterrânica está associada a um menor risco de desenvolver depressão pós-parto. No entanto é ainda referido que são necessários mais estudos para que estes resultados sejam conclusivos.
Para além destes resultados promissores, foi possível perceber que a menor adesão à Dieta Mediterrânica foi significativamente associada a maior incidência de partos por cesariana, maiores problemas com amamentação e ainda excesso de peso ou obesidade pós-parto. Mesmo com uma análise multivariável e após o ajuste para múltiplos confundidores, foi possível averiguar que a depressão pós-parto estava independentemente ligada à adesão das mulheres à Dieta Mediterrânica, práticas de amamentação, IMC pós-parto e tipo de parto (Papadopoulou et al., 2023).
Para além deste padrão alimentar já ter mostrado que diminui o risco de pré-eclâmpsia (Minhas et al., 2022) e o risco de doenças cardiovasculares (Pant et al., 2023) na mulher, os resultados dos mais recentes estudos sobre a relação do mesmo com a depressão pós-parto são, de facto, cada vez favoráveis à inclusão da Dieta Mediterrânica como fator protetor desta condição.
Observando o panorama em Portugal, mais de 2 milhões de mulheres encontram-se em idade fértil. Segundo os dados do Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física, em 2016, é possível perceber que no sexo feminino foi observada uma baixa adesão ao Padrão Alimentar Mediterrânico, ou seja, mais de 80% tem uma adesão baixa ou moderada a este Padrão que pode levar à diminuição do risco de desenvolver depressão pós-parto e outras condições associadas à gravidez.
Desta forma, é de extrema importância aumentar a adesão a este Padrão Alimentar, devendo ser considerada uma abordagem centrada nos princípios da Dieta Mediterrânica e personalizar as recomendações alimentares dadas durante o período da gravidez e no pós-parto para além de diminuir muitas complicações associadas à gravidez, mitigar o risco de desenvolver depressão pós-parto.
Esta abordagem deve ser integrada no conceito dos 1111 dias, período constitui uma janela de oportunidade para a otimização do crescimento e desenvolvimento, bem como para a modelação da saúde futura, nomeadamente na prevenção de doenças crónicas não transmissíveis, como por exemplo a obesidade.
Alexandre Alves Rodrigues, Licenciado em Ciências da Nutrição pela NOVA Medical School, 4301NE
Docente da NOVA Medical School
Referências:
- Casas I et al. https://doi.org/10.3390/nu15102362
- Minhas AS et al. https://doi.org/10.1161/jaha.121.022589
- Pant A et al. https://doi.org/10.1136/heartjnl-2022-321930
- Papadopoulou SK et al. https://doi.org/10.3390/nu15173853
- Sun Y et al. https://doi.org/10.1007/s10995-023-03781-7