A doença de Parkinson (DP) é uma doença neurodegenerativa progressiva caracterizada por uma perda neuronial e disfunção dos neurónios dopaminérgicos localizados na substância negra e estriado. A terapêutica farmacológica no tratamento da doença passa por aumentar ou substituir a dopamina.
A DP é a segunda doença neurodegenerativa mais prevalente no mundo logo a seguir à doença de Alzheimer. A incidência e prevalência desta doença devem aumentar com o progressivo envelhecimento da população. Em 2005 existiam entre 4,1 e 4,6 milhões de pessoas com DP e estima-se que em 2030 o valor tenha mais que duplicado, estimando-se entre 8,7 e 9,3 milhões de doentes. A maioria dos doentes tem mais de 65 anos e os homens são mais afetados do que as mulheres numa razão de 3:2.
Recentemente vários estudos mostram que o microbiota intestinal apresenta um papel crucial na regulação de múltiplos aspetos da fisiologia do hospedeiro, tais como o metabolismo neuronial.
A síntese de neurotransmissores pelo microbiota intestinal modula a síntese e libertação pelo epitélio intestinal de moléculas. Estas, por sua vez, regulam a sinalização ao nível do sistema nervoso entérico e, consequentemente, o controlo de funções cerebrais e de comportamento.
Muito precocemente, e antes do diagnóstico da doença de Parkinson, das manifestações neuromotoras, estão descritas alterações gastrintestinais. Atualmente sabe-se que, em doentes com Parkinson, o microbiota intestinal apresenta diferenças marcadas e características quando comparado com o de indivíduos não doentes.
A disbiose do microbiota intestinal (desequilíbrio/disfunção) leva a um aumento da permeabilidade intestinal e consequente aumento de presença sistémica de endotoxinas bacterianas, como por exemplo o LPS (lipopolissacarídeo), o que se associa a uma expressão excessiva de a-syn. Os corpos de Lewis intestinais, presentes nos neurónios do sistema nervoso entérico, podendo atingir o SNC via nervo vago, eventualmente movendo-se até, e danificando, as zonas cerebrais como substância negra, o que poderá explicar a clínica típica dos doentes com Parkinson.
A expressão da proteína a-syn está envolvida na regulação da síntese de dopamina. A expressão excessiva desta proteína leva à formação dos corpos de Lewis (CL) com a consequente diminuição da libertação de dopamina. Os CL são os que apresentam neurotoxicidade com alterações também ao nível mitocondrial como a libertação de Cyto C, presente habitualmente na membrana interna da mitocondria. O Cyto C libertado ativa vias apoptóticas como a da caspase9, levando a hidrólise de proteínas e, eventualmente, à apoptose neuronial. Em condições normais, os neurónios apresentam múltiplos mecanismos para resistirem à apoptose. No entanto, em condições patológicas a auto-apoptose pode ser desencadeada e levar à perda e degeneração de neurónios dopaminérgicos.
Tem sido descrito que bactérias como Lactobacillus spp., Bifidobacterium spp. and Streptococcus salivarius subsp. thermophilus são capazes de produzir GABA; Escherichia spp., Saccharomyces spp. e Bacillus spp. produzem noradrenalina; Streptococcus spp., Candida spp., Enterococcus spp., e Escherichia spp. produzem serotonina; Bacillus spp., Escherichia coli (K-12), Hafnia alvei (NCIMB, 10466), Proteus vulgaris, Klebesiella pneumoniae, Morganella morganii, Serratia marcescens e Staphylococcus aureus produzem dopamina. Lactobacillus spp. produzem acetilcolina. São estes neurotransmissores, secretados no lúmen intestinal pelas bactérias do microbiota, que regulam o sistema nervosa entérico e, desta forma, a libertação de moléculas envolvidas no controlo da neuroprotecção, cognição, num verdadeiro eixo intestino-cérebro.
Bactérias como Enterobacteriaceae, Ralstonia, Proteobacteria, etc, envolvidas num aumento sérico de LPS e de outras endotoxinas, estão aumentadas nas fezes de doentes com Parkinson. Por outro lado, bactérias como Bacillus spp., Lactobacillus spp., Streptococcus spp., capazes de produzir neurotransmissores como GABA, serotonina e dopamina, encontram-se diminuídas nas fezes de doentes com Parkinson.
A adesão à dieta Mediterrânica tem sido descrita com positivamente associada a efeitos neuroprotetores na demência e na doença de Alzheimer. De acordo com um estudo publicado este mês na revista científica Movement Disorders, a adesão à dieta MIND (Mediterranean-DASH Interventition for Neurodegenerative Delay) que, desde 2015 está descrita como tendo impacto positivo no atraso do declínio cognitivo, altera o microbiota intestinal, para um perfil de bactérias associadas à produção de moléculas anti-inflamatórias e neuroprotetoras. Os ácidos gordos de cadeia curta, resultantes da fermentação das fibras alimentares, são absorvidos e atravessam a barreira hemo-encefálica uma vez que são substrato dos MCT (transportador dos ácidos monocarboxilados) e, desta forma, regulam também processos neuroniais que podem ser chave neste contexto.
Neste estudo, envolvendo 167 participantes com DP, os investigadores encontraram uma forte associação entre a adesão à dieta MIND e o aparecimento mais tardio da doença (17,4 anos nas mulheres). A dieta Mediterrânica levou a um enorme impacto nos homens com um atraso no aparecimento da doença em cerca de 8,4 anos. As diferenças nas dietas são subtis, mas essencialmente existe na dieta MIND uma enfatização para o consumo de vegetais de folha verde, pequenos frutos, com redução de consumo de gorduras saturadas e de doces.
Estes resultados reforçam as diferenças de efeitos dependentes do sexo. O que abre caminhos para novos estudos.
Em suma, alterando a comunidade microbiota intestinal, através de prebióticos, probióticos, antibióticos ou mesmo transplante fecal poderá vir a dar uma esperança no tratamento da doença uma vez que os microorganismos desempenham papel crucial na neuropatogénese desta, e de outras, doenças neurodegenerativas.
Conceição Calhau
Professora Catedrática da NOVA Medical School
Investigadora CINTESIS
Coordenadora da Licenciatura Ciências da Nutrição da NOVA Medical School