Fazer uma dieta com ação desintoxicante (ou dieta detox) é uma das formas mais proclamadas para limpar o organismo de alegados tóxicos. Mas será que esta é uma forma eficaz de recuperar o equilíbrio perdido ou traz mais riscos do que benefícios?
(ARTIGO ORIGINALMENTE PUBLICADO NA VIVER SAUDÁVEL #79 – DEZEMBRO 2022)
O fenómeno da chamada dieta detox tem vindo a ganhar cada vez mais adeptos um pouco por todo o mundo e Portugal não é exceção. Se no início se falava que se tratava de uma moda passageira, «a verdade é que o termo se enraizou e continua a ser (por vezes, incorretamente) utilizado tanto na área da saúde, das dietas, mas também da estética e cosmética», refere a nutricionista Lillian Barros, para quem «é fundamental perceber do que se trata e desmistificar, à partida, não ser uma dieta milagrosa, que os alimentos não assumem um papel desintoxicante, pois essa é uma função naturalmente desempenhada pelo nosso organismo».
Lilian Barros reforça que «a alimentação ou dieta detox deve ser considerada uma forma de valorizar o consumo suficiente de água, de alimentos naturais, com adequação de macronutrientes e reforço do consumo de frutas e vegetais fornecedores de micronutrientes, todos eles, no seu conjunto, importantes para a função saudável do nosso organismo, permitindo assim que as suas funções sejam exercidas de forma eficiente».
O problema é que parece não existir consenso na aplicação das ditas “dietas detox”, «o que leva a que a sua interpretação individual conduza a dietas mais extremistas, por vezes exclusivamente à base de líquidos, com um aporte muito deficitário em proteína e, por conseguinte, muito pouco saudáveis no que toca aos princípios base do equilíbrio», esclarece Lilian Barros.
Falta de evidência científica
Em 2013, Duarte Torres escreveu um artigo intitulado “As dietas que parecem desintoxicar” e, volvida quase uma década, o nutricionista afirma que continua a manter a mesma visão: «Por muito que se procure, não existem atualmente evidências científicas que demostrem o efeito desintoxicante destas abordagens. Os estudos existentes raramente referem quais são os tóxicos que se pretende eliminar do organismo, qual o mecanismo de ação da terapia, e que benefícios concretos para a saúde daí advêm».
Também a nutricionista Catarina Soares de Oliveira partilha desta visão. «Apesar da crescente popularidade e interesse, a evidência para suportar os supostos benefícios de desintoxicação e “limpeza” é muito escassa e limitada. Os alegados benefícios das dietas detox parecem ser exagerados, irrealistas e sem base em evidência científica robusta que os suporte», frisa a nutricionista.
Dieta da moda?
O que é inegável é que, atualmente, estamos expostos a uma quantidade e variedade de substâncias sem precedentes, algumas delas persistentes no ambiente e no organismo, que faz com que haja uma maior procura pelas chamadas dietas detox, com a comunicação social e muitos agentes comerciais a difundir fórmulas como «sumos, infusões, dietas e suplementos alimentares, até banhos iónicos de pés» na ânsia de uma purificação extrema, refere o professor da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação Universidade do Porto (FCNUP). Porém, como refere Duarte Torres «não é referido como diagnosticar os indivíduos mais contaminados, potencialmente maiores beneficiários do tratamento detox».
Também Lilian Barros considera que o termo detox «começou a ser utilizado desadequadamente como estratégia de marketing e venda de produtos, suplementos e tratamentos não necessariamente fundamentados e sem que haja, do outro lado, um profissional de saúde a avaliar o que cada indivíduo realmente precisa e os potenciais riscos que pode correr». Para a nutricionista «é importante compreender que o fígado e os rins não são esponjas que absorvem as toxinas do nosso corpo e as acumulam, precisando de ser limpos. Desde que devidamente nutrido, o nosso organismo “desintoxica-se” de forma muito eficiente».
Restrições e efeitos no organismo
Por seu turno, Catarina Soares de Oliveira, nutricionista na URAP – ACeS Cascais, explica que estes regimes detox, que podem ter a duração de alguns dias até várias semanas, se caracterizam «por uma restrição dramática e exagerada da ingestão alimentar e, consequentemente, do aporte energético». Ora, se como refere Duarte Torres, «quem resolver retirar da dieta habitual alguns alimentos (leite, ovos e carnes vermelhas, os derivados do trigo, da cevada e do centeio e outros cereais refinados, a soja, o açúcar, o café e as bebidas alcoólicas), por achar que são eles os responsáveis por viver intoxicado, e complementar essa prática com a ingestão de quantidades generosas de frutas, verduras e leguminosas, não incorre em grandes perigos nutricionais», o problema começa quando se adotam fórmulas como longos períodos de jejum, o consumo exclusivo de alimentos líquidos (chás, sumos, batidos, sopas, ou outras bebidas), a eliminação de alguns grupos alimentares, o uso ervas e infusões, laxantes ou outros suplementos alimentares, ou o uso de enemas ou a hidrocolonterapia.
São exemplos de regimes «extremamente deficitário em proteínas, ácidos gordos essenciais, algumas vitaminas e minerais», frisa Duarte Torres, acrescentando que «o efeito laxante pode causar desidratação, desequilíbrio eletrolítico e perturbar a normal atividade da flora intestinal, o que não augura nada de bom».
Também Catarina Soares de Oliveira considera que um programa detox pode ter repercussões negativas, como a falta de energia, fadiga, tonturas, náuseas, dores musculares, cefaleias, hipoglicemia, diarreia, desidratação e desequilíbrio hidroeletrolítico, défices nutricionais, alterações de humor e promoção de episódios de compulsão alimentar. Além disso, afirma a nutricionista: «Os programas não personalizados, mais restritivos e de maior duração são os que apresentam maiores riscos para a saúde e bem-estar»
Catarina Soares de Oliveira destaca novamente que «o nosso corpo está preparado e munido de mecanismos próprios de regulação, incluindo de desintoxicação e eliminação de toxinas». Assim, no entender da nutricionista, «a melhor forma de contribuir para este equilíbrio e promover o processo natural de desintoxicação do organismo, será através de um estilo de vida saudável, que engloba uma estratégia dietética pensada a médio-longo prazo, de forma personalizada, completa e equilibrada, e que assegura a energia e os nutrientes necessários, a ingestão adequada de água, uma boa higiene de sono e a pratica regular de exercício físico».
Combater excessos
Entre o Natal e a festa da passagem de ano é habitual ter-se uma mesa farta, sinónimo de excesso de sobremesas, fritos, álcool e carnes gordas, entre outros sinais vermelhos do ponto de vista nutricional. Ora, estes contribuem não só para o aumento da gordura corporal pelo excesso calórico, mas também para a retenção de líquidos e inchaço, com impacto na balança, o que faz com que muitos procurem soluções rápidas, como a dieta detox.
Porém, conforme alerta Catarina Soares de Oliveira, esta ideia pode «facilmente ludibriar uma pessoa a pensar que é necessário fazer uma “limpeza” ou um “reset” ao organismo. para compensar os excessos e sentir-se mais saudável».
E a nutricionista não tem dúvidas: «Os riscos de fazer uma dieta detox superam os alegados benefícios. Rapidamente, a promessa de uma solução milagrosa e rápida se tornará numa desilusão e numa estratégia insustentável e impraticável para quem procura resultados verdadeiros e duradouros. Além disso, um regime intensivo e de curta duração não promove hábitos e rotinas alimentares saudáveis e sustentáveis».
Já Lilian Barros esclarece que, «se garantir um equilíbrio de macro e micronutrientes necessários, a dieta detox pode ser utilizada como estratégia para perda de peso, se partirmos do pressuposto que o conseguirá fazer através da restrição calórica sempre (como em qualquer outra dieta). Sem uma verdadeira reeducação alimentar os resultados não se manterão a longo prazo e, como tal, uma dieta detox isolada não irá conduzir a nenhum objetivo permanente».
Acompanhamento especializado
Como mensagem final, Catarina Soares de Oliveira reitera: «As dietas detox são desnecessárias e não apresentam benefícios significativos para a saúde, suportados pela ciência. Vários tipos de dietas detox promovem estratégias generalistas, que não têm em contas as características e necessidades do indivíduo, difundindo uma mensagem errada e perigosa, irrealista e insustentável, que pode trazer riscos para a saúde de quem as segue. Além de poderem induzir uma relação pouco saudável com a comida, potenciando ciclos de compulsão alimentar, alternados com momentos de sentimento de culpa com necessidade de compensar com restrições severas, contribuindo para aumentar a ansiedade e o mal-estar psicológico».
«Os regimes detox, principalmente aqueles que assentam em métodos extremos, com restrições exageradas e por longos períodos de tempo, são um risco para a saúde, sobretudo para crianças e adolescentes, grávidas e lactantes, atletas, pessoas com doenças crónicas, como diabetes, hipertensão, doentes renais ou pessoas a fazer terapêutica medicamentosa», acrescenta a nutricionista, esclarecendo que «os riscos das dietas detox aumentam, quando se recorre ao uso de ervas, laxantes e outros suplementos que podem conter substâncias perigosas para a saúde e interferir com a toma de medicação».
Já para Lilian Barros, «a abordagem detox não tem de ser necessariamente às custas de uma restrição calórica extrema nem tão pouco desequilibrada, apesar de muitos assim o acharem».
Para a nutricionista «é fundamental adequação e contexto dentro de educação alimentar. A realização de dietas restritivas e radicais pode criar desequilíbrios no organismo, tal como defendido pela Ordem dos Nutricionistas, é errado pensar-se que as ‘dietas detox’ são facilitadoras da perda de peso per si, sem que ocorram outras mudanças no comportamento alimentar e no estilo de vida. Neste sentido, é fundamental que seja acompanhada de profissionais especializados, incentivando-se a entrega de uma denúncia no Conselho Jurisdicional da Ordem dos Nutricionistas sobre os profissionais não capacitados que promovam este tipo de dietas de forma desajustada e desequilibrada».
“Não existem curas para estilos de vida pouco saudáveis”
Esta é uma máxima partilhada por todos os nutricionistas entrevistados para a elaboração deste artigo. Para Catarina Soares de Oliveira, «a forma como investimos e nos dedicamos a nutrir e a cuidar do nosso corpo e da nossa mente é proporcional aos resultados que obtemos para o nosso bem-estar e saúde. Se queremos verdadeiramente adotar um estilo de vida mais saudável, com um real impacto na nossa saúde, é necessário fazer escolhas alimentares de forma consistente, como algo que faz parte do nosso dia a dia de forma natural e sustentável. Da mesma maneira que fazer, ocasionalmente, algumas refeições nutricionalmente menos interessantes não faz com que uma pessoa seja menos saudável, também não existem soluções rápidas que “curam” ou compensam um ano ou uma vida de hábitos pouco saudáveis».
Lillian Barros acrescenta: «Se qualquer dieta, que seja encarada como provisória, não for acompanhada de um plano para a vida, não existe uma verdadeira reeducação alimentar, pelo que os resultados não se manterão».
Cuidado com as falsas alegações
As alegações de saúde devem ser autorizadas em conformidade com o regulamento (CE) n.º 1924/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de dezembro de 2006, que refere que uma alegação de saúde é qualquer alegação que declare, sugira ou implique a existência de uma relação entre uma categoria de alimentos, um alimento ou um dos seus constituintes. Assim, Catarina Soares de Oliveira explica que «as alegações de saúde devem ser baseadas e fundamentadas em provas científicas geralmente aceites e devem fazer referência à quantidade do alimento e ao modo de consumo requeridos para obter o efeito benéfico alegado. Além disso, qualquer operador de uma empresa do sector alimentar que faça uma alegação nutricional ou de saúde deve justificar a utilização da alegação».