Opinião de Renata Vicente, Nutricionista (CP 3509N) da Liga Portuguesa Contra a SIDA.
A alimentação desempenha um papel essencial na vida das pessoas que vivem com VIH e SIDA (PVVIH), sendo a mesma fundamental para assegurar o bom funcionamento do sistema imunitário e auxiliar na prevenção de complicações da infeção.
A Liga Portuguesa Contra a SIDA (LPCS) adotou desde 2000 o lema “Alimentação é Tratamento” para sublinhar a importância da nutrição em todas as fases desde a deteção da infeção.
É importante salientar que estar infetado pelo VIH (Vírus da Imunodeficiência Humana) não é o mesmo que ter SIDA (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida). Ao contrair o vírus, este poderá levar a uma diminuição progressiva das células CD4+ (as nossas principais células de combate às infeções), o que poderá implicar termos pessoas imunodeprimidas, principalmente quando o diagnóstico é tardio, sendo a desnutrição uma consequência complicada e frequente, quando as pessoas atingem o estadio de SIDA.
Existem duas fases distintas no tratamento nutricional.
Nos estágios iniciais da infeção, a desnutrição é uma consequência complicada e frequente (quando por exemplo a terapêutica não é bem tolerada ou o diagnóstico é tardio). Há um gasto energético grande, catabolismo proteico, e poderá ocorrer o que chamamos de wasting syndrome. Estes fenómenos tornam as PVVIH mais vulneráveis a infeções oportunistas, como a candidíase oral ou pneumonia.
Manter um bom estado nutricional ajuda a melhorar a resposta ao tratamento e o prognóstico geral, para evitar ou retardar a desnutrição, um problema comum em PVVIH nesta fase, que pode acelerar a progressão da infeção para SIDA.
Quando se inicia a toma da TARV (Terapêutica Antirretroviral) e, consequentemente a carga viral diminui, até se tornar indetetável, é também importante acompanhar a pessoa em consulta de nutrição. A TARV acompanha a pessoa durante toda a vida. Estudos referem que o mesmo, a longo prazo, se associa a hipertrigliceridemia, hipercolesterolemia, resistência à insulina, a uma maior predisposição para doenças cardiovasculares, diabetes e osteoporose, alterações na distribuição da gordura corporal (maior deposição de gordura na zona abdominal ou na zona do pescoço, ou perda de gordura subcutânea nas extremidades e rosto). Numa fase inicial, o tratamento pode também causar efeitos secundários gastrointestinais, como diarreia, vómitos e desconforto abdominal, que podem ser minimizados através de uma alimentação adaptada, com refeições leves, fáceis de digerir e que evitem ingredientes que possam agravar os sintomas, como fibras em excesso ou alimentos crus.
O tipo de alimentação recomendada para PVVIH é semelhante ao padrão alimentar da Dieta Mediterrânica, recomendada para a população em geral, incluindo também a prática de exercício físico. A ingestão de proteínas é crucial nas fases em que a perda de peso é significativa, e micronutrientes como vitaminas A, C, D, E, selénio e zinco são essenciais para fortalecer o sistema imunitário e reduzir o stress oxidativo. A suplementação com vitamina D e cálcio pode ser necessária para combater a perda de densidade óssea, comum devido aos efeitos do TAR.
O papel do nutricionista é crucial no acompanhamento das PVVIH, ajustando os planos alimentares às necessidades de cada fase da infeção e tratamento. Além de prevenir e tratar a desnutrição, o nutricionista educa os pacientes sobre hábitos alimentares saudáveis que reduzam a probabilidade de sofrer os efeitos secundários do TAR, incluindo também práticas de segurança alimentar, dado o risco elevado de infeções alimentares devido ao sistema imunitário fragilizado. A coordenação com equipas multidisciplinares é essencial para melhorar a qualidade de vida destas pessoas.
Por fim, os problemas relacionados com o excesso de peso e a obesidade têm vindo a aumentar nas PVVIH devido aos efeitos secundários da TARV, anteriormente mencionados e a um estilo de vida sedentário. Cerca de 50% dos pacientes acompanhados pela LPCS apresentam excesso de peso ou redistribuição de gordura corporal. Isto reflete a necessidade de uma abordagem nutricional equilibrada, aliada à prática de exercício físico, para mitigar os efeitos negativos dos tratamentos a longo prazo.
Assim, a alimentação adequada e o apoio nutricional são fundamentais para as PVVIH, melhorando a sua saúde, controlando os efeitos dos tratamentos e contribuindo para uma vida mais saudável.