“Devemos estar unidos”: Nutricionistas reagem ao regime excecional de comparticipação para nutrição entérica 926

Apesar de reconhecerem avanços em prol da saúde da população, os nutricionistas garantem que o novo regime excecional de comparticipação para a nutrição entérica não está redigido da melhor forma, sendo-lhes vedada a possibilidade de assumirem a prescrição destas novas tecnologias.

Depois da reação da Ordem dos Nutricionistas (ON), que garantiu esta terça-feira que “não aceitará” a Portaria n.º 82/2025/1, de 4 de março, alguns nutricionistas recorreram às redes sociais para manifestar a sua opinião relativamente a esta nova medida que deverá entrar em vigor a 1 de agosto deste ano.

Apesar de estarmos perante “um avanço” que prevê a comparticipação dos suplementos nutricionais orais e da nutrição entérica, “reconhecendo a sua importância na nutrição clínica”, o artigo 15.º “cria uma contradição, ao restringir a prescrição e não incluir médicos de família e nutricionistas, que acompanham de perto os utentes que mais necessitam destes produtos”, afirma Miguel Rego.

Para o nutricionista na Unidade Local de Saúde de Santo António, “muitos doentes poderão enfrentar dificuldades no acesso, contrariando o objetivo inicial da medida“, pelo que “seria essencial garantir que estes profissionais possam prescrever, assegurando um acesso mais equitativo e eficiente”.

“Revisão emergente”

Por sua vez, Bruno Marques fala num “passo essencial” para garantir o acesso a “recursos fundamentais para a melhoria do estado de saúde e qualidade de vida dos utentes, principalmente aqueles que, por diversas razões, apresentam quadros de desnutrição, caquexia, disfagia, sarcopenia, entre outros”.

“No entanto, não posso deixar de repudiar veementemente a exclusão dos nutricionistas enquanto prescritores destas tecnologias“, admite, ao deixar claro que a Portaria “afasta os únicos profissionais de saúde com formação específica e aprofundada na área da nutrição e os profissionais que em melhores condições técnico-científicas se encontram para a adequada avaliação, recomendação e monitorização destas tecnologias de forma segura e baseada na evidência”.

Para o coordenador da Unidade Nutrição do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, “a decisão de ignorar o nosso papel neste processo não desvaloriza apenas a profissão, mas, acima de tudo, compromete a qualidade dos cuidados nutricionais e pode vir a prejudicar os próprios beneficiários da medida, seja por prescrições menos otimizadas para determinada condição clínica, seja por dificuldade no acesso às consultas das referidas especialidades”.

“Para bem da Nutrição e dos utentes, só podemos aguardar uma revisão emergente desta medida”, diz ainda. “Agora, talvez mais do que nunca, deveremos estar unidos para fazer valer as nossas competências, sob o risco de ainda ficarmos mais limitados no desempenho das nossas funções“, escreveu numa outra publicação.

“Abordagem médico-cêntrica”

Bernardino Pinto acredita que a Portaria “representa um passo importante no combate à desnutrição em Portugal”, razão pela qual “deve ser reconhecida pelo seu propósito fundamental: garantir um melhor acesso a tecnologias de suporte nutricional a doentes em situação de vulnerabilidade clínica”.

Ainda assim, “a conceção e formalização desta portaria suscitam preocupações significativas, nomeadamente a exclusão dos nutricionistas da prescrição destas tecnologias de saúde”. Segundo o nutricionista nos Serviços Sociais da Câmara Municipal de Lisboa, “esta decisão contraria o princípio da multidisciplinaridade, fundamental na prestação de cuidados de saúde de qualidade”. Os colegas, lembra, são quem tem garantido “que os doentes recebem o suporte nutricional adequado, com base na sua formação e experiência específica na área”.

A limitação imposta pela portaria reflete uma abordagem médico-cêntrica, que não apenas desvaloriza o papel dos nutricionistas como sobrecarrega ainda mais os médicos, já confrontados com níveis alarmantes de burnout“, continua, ao apontar a dificuldade no acesso dos doentes “a um suporte nutricional célere e adequado, comprometendo a eficácia das intervenções e a sustentabilidade do sistema de saúde”.

Em jeito de conclusão, Bernardo Pinto pede uma “revisão urgente desta portaria” em prol de “uma maior eficiência no combate à desnutrição, mas também um reconhecimento mais justo dos profissionais que diariamente garantem a qualidade dos cuidados nutricionais no nosso país”.

 

O documento visa a criação de um regime excecional de comparticipação para a nutrição entérica, a qual abrange as formulações entéricas, formulações modulares e suplementos nutricionais orais, cuja dispensa é feita em farmácia de oficina.

A prescrição cabe aos médicos especialistas em oncologia médica, medicina interna, endocrinologia-nutrição, gastroenterologia e pediatria, “ficando sujeita a validação por parte do respetivo Grupo de Nutrição Entérica e Parentérica“. Compete ao Infarmed monitorizar o uso das tecnologias de saúde e o regime de preços previstos.