Devastação do sistema de saúde em Gaza ameaça aumentar desnutrição e problemas mentais 1761

A devastação do sistema de saúde de Gaza aumenta o risco de desnutrição aguda e ameaça deteriorar rapidamente a saúde mental dos palestinianos, denunciou esta segunda-feira a organização médica internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF).

Num relatório intitulado “Assassinatos Silenciosos em Gaza: A destruição do sistema de saúde e a luta pela sobrevivência em Rafah”, divulgado esta segunda-feira, a MSF alerta que a devastação causada por seis meses de guerra vai muito além dos mortos pelos bombardeamentos e ataques israelitas.

“A enorme luta que os palestinianos enfrentam hoje em Gaza para ter acesso a cuidados médicos” e as “interrupções dos cuidados de saúde críticos” provocam um grande número de mortes evitáveis, denuncia a organização não-governamental (ONG) no documento, citado pela Lusa.

“Quantas crianças já morreram de pneumonia em hospitais sobrelotados? Quantos bebés morreram por causa de doenças evitáveis? Quantos pacientes que sofrem de diabetes ficam sem tratamento? E quanto às consequências mortais do encerramento das unidades de diálise renal nos hospitais atacados? Estas são as mortes silenciosas de Gaza não relatadas em todo este caos”, descreve, no relatório, a chefe dos programas de emergência da MSF, Mari-Carmen Viñoles.

A organização sublinha ainda que o colapso do sistema de saúde e as condições de vida desumanas também aumentam o risco de surtos de doenças, desnutrição e de traumas psicológicos de longo prazo.

Um ataque em força à cidade de Rafah (no sul da Faixa de Gaza), que Israel tem ameaçado fazer apesar dos protestos e avisos internacionais, “seria uma catástrofe insondável”, afirma a MSF, apelando a um cessar-fogo imediato e sustentado.

As condições de vida em Rafah não são, atualmente, propícias à sobrevivência, aponta o relatório da organização internacional, com base em dados médicos e no testemunho de pacientes.

“Há uma escassez desesperada de água potável para beber ou tomar banho, enquanto o lixo e esgoto acumulam-se nas ruas” de Rafah, onde vive agora mais de um milhão de pessoas que foram deslocadas à força do norte de Gaza.

Em apenas dois dos centros de saúde primários administrados pela MSF nas áreas de Al-Shaboura e Al-Mawasi, as equipas da ONG fazem uma média de 5 mil consultas médicas por semana, muitas delas ligadas às condições de vida precárias das pessoas, descreve a organização no relatório.

Mais de 40% destas consultas são para pacientes com infeções do trato respiratório superior, mas a MSF refere ter observado um número crescente de casos suspeitos de hepatite A.

“Nos últimos três meses de 2023, os casos de doenças diarreicas relatados entre crianças menores de cinco anos foram 25 vezes maiores do que durante o mesmo período de 2022”, alerta, acrescentando que, “entre janeiro e março de 2024, as equipas trataram 216 crianças menores de cinco anos por desnutrição aguda, moderada ou grave, uma condição que estava quase totalmente ausente antes do conflito”.

A sobrelotação dos hospitais também leva a que pessoas com outros tipos de necessidades médicas, como mulheres grávidas com complicações ou doentes crónicos, tenham muitas dificuldades em receber os cuidados de que necessitam.

Além disso, a saúde mental da população de Gaza – incluindo do pessoal médico – também “está num estado miserável”.

“A maioria dos pacientes que chegam às clínicas da MSF apresenta sintomas de ansiedade e ‘stress’, incluindo condições psicossomáticas e depressivas”, relata a organização, adiantando que “algumas pessoas que cuidam de familiares com perturbações mentais graves recorreram a sedação excessiva para mantê-los seguros e evitar que se magoem a si próprios ou a outros, devido à falta de serviços especializados em Gaza”.

“Como organização médica de emergência internacional, temos a experiência e os meios para fazer muito mais e ampliar a nossa resposta”, garante o coordenador de emergência de MSF, Sylvain Groulx, no relatório.

Mas “sem um cessar-fogo imediato e sustentado e a entrada de ajuda humanitária significativa, continuaremos a ver mais pessoas morrerem”, conclui.