Despedido por… excesso de peso? 2737

Recentemente, foi notícia o caso de um jogador de futebol profissional despedido devido ao seu excesso de peso. Naquilo que ficou já conhecido como o “Caso Gnagnon”, o Tribunal Arbitral do Desporto (TAS) deu razão ao Sevilla Fútbol Club, no caso em que o clube espanhol despediu, em 2021, o futebolista costa-marfinense Joris Gnagnon, devido à sua má forma física. O Tribunal considerou que o atleta manteve um “excesso de peso grave”, apesar dos quatro avisos e respetivos processos disciplinares instaurados pelo clube. O Sevilla, por seu lado, afirma que Gnagnon teve a possibilidade de cumprir o exigido, tendo disponibilizado recomendações de treino e prescrições da equipa médica (incluindo, apoio nutricional) para recuperar a forma física, mas “incumpriu todos, por vontade própria”. Embora o caso tenha acontecido num contexto particular, de desporto profissional de elite, onde o alto rendimento é uma obrigação de todos os intervenientes envolvidos, que implicações pode ter uma situação deste tipo? Assistiremos, no futuro, à possibilidade de despedimento, ou outras formas de punição, a pessoas com peso excessivo?

Um aspeto que importa destacar neste caso em particular, é a possibilidade dada ao atleta de receber treino e acompanhamento nutricional, para corrigir o seu peso. Segundo terá ficado provado, o atleta não colaborou nos esforços do clube para o ajudar a melhorar a sua condição física. Mas, numa situação deste tipo (e convém recordar que os acontecimentos remontam ao período pandémico), onde está a fronteira entre não querer colaborar e não conseguir colaborar? Podemos questionar se o atleta conseguia cumprir as recomendações que lhe foram prescritas? Pondo de parte o contexto do alto rendimento, este é um debate pertinente, na medida em que é tentador culpar a pessoa com excesso de peso pela sua situação. Se alguém com obesidade se dirige a uma consulta de Nutrição e não perde peso porque não cumpre o plano alimentar indicado pelo nutricionista, então a culpa é sua!  Será? Em que medida o nutricionista é também responsável pelo incumprimento de determinada estratégia nutricional?

Outra questão que o “Caso Gnagnon” levanta é o da penalização a quem não cumpra (ou não consiga cumprir) as recomendações para perda de peso. Assistimos, crescentemente, a um fervor regulatório da oferta alimentar (os alimentos devem ter menos gordura, sal ou açúcar), acompanhado da vontade de taxar alimentos “prejudiciais” e de iniciativas para garantir que todos comemos de forma “saudável”. Neste contexto, são frequentes as sugestões de penalização aos utentes que apresentem e mantenham peso excessivo (agravamento das taxas moderadoras, redução da comparticipação de medicamentos/tratamentos), com o argumento que aumentam as despesas do SNS por uma causa que poderia ser evitável se adotassem outro estilo de vida. Na realidade, algumas companhias, já agravam apólices de seguros de saúde com base no IMC e países como o Japão têm há vários anos uma “Metabo Law”, que obriga os trabalhadores a terem o seu perímetro da cintura medido anualmente. Mas será que estas pessoas devem ser castigadas ou, pelo contrário, precisam ser apoiadas? Seguramente, a maioria das pessoas não quer ter peso excessivo.

De facto, o excesso de peso é motivo de discriminação diversa, e mesmo nos casos em que não há implicações de saúde óbvias, é visto em geral como um indicador de falta de compromisso ou de cuidado consigo próprio. Diversos inquéritos revelam que as pessoas com excesso de peso são frequentemente encaradas como “preguiçosas”, “descuidadas” ou “menos profissionais”. Se num atleta de elite, com um contrato profissional para determinado nível de performance, nos pode parecer justificável o despedimento por excesso de peso, é preciso estar atento ao escalar deste tipo de raciocínio para outros domínios. Os nutricionistas, em particular, devem ter presente que a sua função é cuidar as pessoas com peso excessivo, não contribuir para a sua penalização.

Por Rodrigo Abreu
Nutricionista – Managing Partner na Rodrigo Abreu & Associados
Fundador do Atelier de Nutrição