Desejos de Prazer 1422

Chega um novo ano e, mais uma vez, renovam-se as esperanças de novos começos. Como uma folha em branco, onde todos os desejos parecem possíveis, janeiro traz consigo as aspirações de uma vida mais saudável: fazer mais exercício; fazer uma alimentação mais saudável; passar mais tempo com a família e amigos. Parecem desejos de ano novo simples e fáceis de entender, embora nem sempre tão fáceis de atingir. Mas, porque desejamos estas coisas? Na realidade, desejamos comer de forma mais saudável, ou desejamos os benefícios que associamos a comer de forma mais saudável?

As motivações para perder peso são diversas e nem sempre as melhores. Ainda antes da Saúde Pública demonstrar os riscos associados ao peso excessivo e os benefícios de um padrão alimentar saudável na prevenção de várias doenças, já as pessoas procuravam fazer dieta. De facto, a evolução dos estereótipos de beleza (em particular, nas mulheres) “empurrou” milhões de pessoas em todo o mundo para as mais extravagantes formas de dieta, numa quase obsessão coletiva de se ser “magro”. A partir da década de 1980, popularizaram-se as mais diversas estratégias para “emagrecer”, que iam de suplementos alimentares inofensivos e ineficazes, cintas têxteis para disfarçar ou “derreter” a gordura corporal, até procedimentos cirúrgicos como lipoaspirações e abdominoplastias.  No Portugal dos anos 1990, as pessoas compravam batidos para substituir refeições e iam ao médico da moda para tentar perder peso rapidamente e sem esforço, através dos célebres “manipulados”. Numa altura de abundância alimentar nunca vista e onde a evolução dos empregos (dos setores primário e secundário para o setor terciário) tornavam as pessoas cada vez mais sedentárias (a democratização do automóvel também se registou nesta altura), fazer dieta ou ir ao ginásio passou a fazer parte das rotinas urbanas e modernas da viragem do século.

Só mais recentemente, já neste século, se começou a pôr tónica na alimentação saudável enquanto um padrão alimentar associado à prevenção de várias doenças e a maior longevidade. O objetivo de fazer dieta tem deixado de ser meramente estético e atualmente relaciona-se também com causas ambientais, sociais ou éticas. As pessoas fazem dietas que, acreditam, lhes permitem viver mais tempo, reduzir a poluição ambiental ou garantir o bem-estar animal. Mas também estas novas razões para fazer dieta não têm a dieta per se no centro da motivação. Ninguém deseja comer só verduras porque tem um enorme prazer em saborear exclusivamente esses alimentos. Posto de outra forma, se um génio da lâmpada nos concedesse o desejo de comer o que quiséssemos sem qualquer consequência no peso e saúde, quantos de nós escolheriam comer apenas peixe cozido, legumes locais e fruta da época?

Esta é uma questão chave para todos os nutricionistas. Esperar que alguém adira a uma determinada dieta, por melhor que seja para a saúde e para o planeta, apenas pelos benefícios que pode proporcionar, parece demasiado otimista. Se é hoje consensual que as melhores escolhas alimentares devem ser as mais saudáveis, e se há um esforço para tornar as escolhas mais saudáveis as mais fáceis, não restam dúvidas que temos de tornar também as escolhas mais saudáveis as mais prazerosas. Afinal, se o prazer de comer não estiver na lista de desejos de ano novo, que sucesso podemos esperar?