Por Rodrigo Abreu, Nutricionista – Managing Partner na Rodrigo Abreu & Associados; Fundador do Atelier de Nutrição®
Leia as seguintes notícias hipotéticas e descubra as diferenças:
”Entra hoje em vigor a nova legislação que proíbe os alimentos nocivos nas escolas portuguesas. Na sequência da Lei aprovada no Parlamento há 3 meses, as refeições preparadas e servidas nas escolas não podem incluir alimentos não saudáveis, como fritos ou panados, mas também carnes gordas, qualquer tipo de enchidos e queijos gordos ou natas. O novo diploma estabelece também o perfil nutricional dos lanches e merendas ingeridos pelas crianças em ambiente escolar. Leite simples, fruta e pão de mistura com baixo teor de sal, estão entre os alimentos permitidos pela nova legislação, que define também os alimentos permitidos em máquinas de venda automática e cafetarias escolares. Chocolates, bolachas, sumos e iogurtes açucarados, gelados e guloseimas, entre outros, são alguns dos produtos que a partir de hoje deixam de estar disponíveis nas escolas e nas suas imediações. “É uma medida urgente e absolutamente necessária” defendeu o responsável político, que acrescentou ainda “os dados da obesidade infantil são preocupantes e estou certo que todos concordam com os benefícios que uma medida destas vai trazer para a saúde das nossas crianças”. Os responsáveis de Saúde também concordam com a medida, que acusam de tardia: “Há muito tempo que alertamos para a necessidade de proibir determinados alimentos em contexto escolar, como ferramenta eficaz para promover a alimentação saudável e combater a obesidade infantil. Temos de proteger as crianças dos alimentos nocivos e a escola é o sítio certo para isso”. Mas a medida não parece ser consensual. Os pais de alguns alunos ouvidos hoje à porta da Escola, queixam-se que nem no dia de aniversário é permitido um bolo para festejar a data. Receiam também que os lanches saudáveis possam tornar-se monótonos face ao orçamento que as escolas têm para a alimentação e acreditam que muitas crianças continuarão a comer outros alimentos fora da escola. “O fruto proibido é o mais apetecido” diz uma das mães ouvida hoje, que admite deixar a sua filha comer um bolo “de vez em quando”. Mas as críticas também se ouviram no Parlamento: “Esta é uma Lei que permite à Escola, ao Estado, impor o que uma criança deve ou não deve comer. Não podemos aceitar que num Estado de direito democrático, uma liberdade individual como a escolha da própria comida seja imposta desta forma, em nome da saúde.”.
“Decorre este mês na Escola mais uma ação de educação alimentar. O projeto, desenvolvido em parceria com o Ministério da Saúde, da Educação e da Agricultura, com o patrocínio da Presidência da República e validado cientificamente por organizações de Nutricionistas e Universidades da área, já chegou a mais de 100.000 crianças em todo o país. Em declarações à comunicação social, a Ministra mostrou-se satisfeita com os resultados do estudo preliminar e destacou o impacto na redução da obesidade infantil: “as crianças, se estimuladas corretamente, são muito permeáveis a experimentar coisas novas, e a alimentação não é exceção. Com algum engenho e arte, estamos a mostrar que é possível ensinar as crianças a gostar de alimentos saudáveis e a consumi-los regularmente”. O representante dos nutricionistas concorda: “Os nutricionistas têm um papel importante, de proximidade, na Escola. Ao acompanhar diariamente as refeições dos alunos, ao envolver e capacitar as suas famílias na preparação de refeições mais equilibradas e ao apoiar os serviços de alimentação das escolas, tem sido possível observar mudanças nos padrões alimentares e, consequentemente, no IMC destas crianças”. Também na Educação não faltam elogios ao programa: “Foi precisa visão de longo prazo para um projeto destes e em boa hora houve a decisão de começar o projeto, mesmo sem todas as condições na altura. As mudanças na alimentação das crianças não acontecem de um dia para o outro e, ao nível do obesidade infantil, também não podemos esperar resultados imediatos”. Recorde-se que o projeto começou há 8 anos e, para além dos apoios governamentais, uma parte significativa do financiamento provém de entidades privadas, incluindo da Indústria Alimentar. “Sempre achámos que os produtores de alimentos deviam estar envolvidos num projeto tão importante como este”, sublinhou a coordenadora técnica do projeto. “Uma vez definidos os princípios científicos que deviam orientar o projeto, convidámos todos os stakeholders a participar, para que pudessem conhecer a realidade alimentar das crianças. Não é por acaso que os alunos aprendem a cultivar alimentos, a confecionar receitas e a visitar unidades de produção de alimentos – conhecer a origem e a composição daquilo que comemos é fundamental para melhores escolhas”. E quando questionada sobre se o apoio da Indústria Alimentar não seria um problema, a responsável não hesitou: “As regras são claras desde o início e há uma separação clara de papéis – a metodologia do projeto é validada cientificamente, e é responsabilidade dos nutricionistas e demais especialistas, não de quem financia. Por isso, ficamos satisfeitos por ver que muitas empresas do setor alimentar não só se disponibilizaram a financiar o projeto, como têm incorporado o feedback dos nutricionistas, professores e famílias no desenvolvimento de produtos com melhor perfil nutricional”. A caminho dos 10 anos de vida, o projeto continua a despertar interesse nas escolas e famílias. Para além das quase 2500 escolas já abrangidas, há atualmente 8 agrupamentos a aguardar condições para integrar o projeto.
Qual das notícias leu com maior agrado? Qual lhe despertou melhores emoções? Se for como a maioria das pessoas, o envolvimento, a empatia e o tom positivo da segunda notícia, serão mais agradáveis de ler. Este é um aspeto importante – a “sensação” que fica quando nos é apresentado determinado tema. Estas hipotéticas notícias sobre alimentação e nutrição são um exercício útil para perceber o que nos desperta interesse e simpatia, ou repulsa e ansiedade. Que benefícios poderemos esperar de uma abordagem onde os nutricionistas são uma espécie de “polícia de choque” da saúde, de bastão apontado a quem come mal e apito a soprar estridentemente sinalizando alimentos “nocivos”? Que interesse poderemos captar junto daqueles que são os destinatários finais da nossa atuação – a população em geral – se o tom dominante da comunicação em torno da Nutrição for a proibição, a penalização, a demonização?
É largamente sabido que a sociedade atual evoluiu para um ambiente mais obesogénico, que resulta da oferta alimentar, do nosso decrescente dispêndio energético, das perturbações do sono, das emoções e das relações, e do próprio desenho dos espaços onde vivemos. É por isso urgente pensar em modelos de arquitetura de escolhas mais positivos e participados por todos: populações, profissionais de saúde, legisladores, produtores de alimentos e urbanistas. O nutricionista é um elemento fulcral nesta relação entre o meio ambiente e as opções individuais, e uma abordagem positiva e empática, é chave para estabelecer modos de vida onde as escolhas mais saudáveis sejam as mais fáceis e óbvias. Afinal, se não fossemos nutricionistas, que notícias sobre Nutrição gostaríamos mais de ler?
p.s. – o artigo não é sobre nenhuma medida legal ou programa escolar, as notícias inventadas são apenas para ilustrar diferentes abordagens