Deficiência de vitamina D e covid-19: Apenas coincidência? 4997

Durante décadas, a vitamina D foi reconhecida como um elemento-chave no controlo do metabolismo ósseo: regula a concentração de cálcio e de fosfato, estimulando a absorção destes minerais no intestino e da reabsorção no rim.

Atualmente, a importância da vitamina D vai muito para além disto. É uma vitamina lipossolúvel, encontrando-se em alguns (poucos) alimentos, tais como óleos de peixe, peixe gordo, produtos lácteos ou cogumelos, sendo a sua principal fonte a exposição solar. Há também alguns produtos que começam a utilizar esta vitamina nas suas formulações, como os iogurtes, massas e até algumas águas minerais naturais, como é o caso de Vitalis+ Maracujá. Quer ingerida quer fotosintetizada através da pele, a vitamina D sofre processos no organismo que a transformam numa hormona.

Sabe-se, hoje, que a vitamina D assume funções muito relevantes, com efeitos anti-inflamatórios, antioxidantes, antimicrobianos, designadamente na hipertensão, na diabetes ou mesmo no metabolismo lipídico. Sabe-se também que a sua deficiência tem impacto ao nível das doenças inflamatórias intestinais e que está associada à esclerose múltipla.

Mas, mais importante ainda, a vitamina D desempenha funções cruciais ao nível da resposta imunitária e, em particular, existe evidência científica do seu efeito protetor relativamente a complicações respiratórias virais. Curiosamente, há precisamente um ano, foi publicado, numa revista científica internacional, um conjunto de resultados sobre os níveis de vitamina D nas diferentes regiões do mundo. E isso ajuda à reflexão.

Veja-se o exemplo da Europa: nos países do mediterrânio, Espanha, Itália, Grécia e Portugal, a percentagem de população com deficiência de vitamina D é superior à dos países do Norte. Apesar de latitudes maiores e menor incidência do sol, os países do norte da Europa, tipicamente, fazem suplementação de vitamina D. Já nos países do mediterrânio, ou por tradicionalmente não fazerem suplementação e/ou por razões genéticas, a suscetibilidade para a deficiência é maior.

Com a chegada à Europa da covid-19, ficou muito claro que a severidade da doença era só para alguns. A vulnerabilidade não é igual para todos. Apenas alguns indivíduos, os chamados grupos de risco, como doentes hipertensos, obesos ou diabéticos, são sintomáticos e com grande probabilidade de um cursar da doença com pior desfecho. Por outro lado, reconhecemos que países mediterrânicos, como Espanha e Itália, estão a viver um cenário COVID-19 dramático. Situação diferente é vivida, por exemplo, na Finlândia ou na Dinamarca. Veja-se, considerando a razão ‘número de doentes severos’ : ‘número total de doentes por milhão de população’, em países como Espanha, é de 2,2, e como Itália, é de 1,5. Se olharmos para países como a Finlândia o valor é francamente mais baixo, de 0,17 ou mesmo a Dinamarca com um valor de 0,12. Curiosamente, os estudos populacionais nestes países relativamente à determinação de vitamina D mostram que, quer Espanha quer Itália, apresentam valores abaixo de 30 nmol/L de 25(OH)D, ou seja, valores classificados pelos organismos internacionais  como uma deficiência. A prevalência de indivíduos com deficiência severa varia entre 0,4 e 8,4% nos países do norte da Europa e entre 4,6 e 30,7% nos países do sul da Europa. Num estudo, recentemente publicado, que estimou a prevalência e os fatores de risco para a deficiência em Vitamina D na população nacional, verificou-se que 60% dos portugueses adultos apresentavam algum grau de deficiência. Os preditores de risco que se revelaram mais importantes foram ser mulher e ter idade igual ou superior a 75 anos, obesidade e consumo atual de tabaco. Também as variações sazonais (níveis sanguíneos mais baixos no Inverno e Primavera) e geográficas (deficiência mais frequente nos Açores e Norte e Centro do Continente e menos frequente no Algarve, Alentejo e Madeira).

De salientar que, há poucos dias, foram comunicados dados de investigadores da Universidade de Turim alertando para a existência de uma deficiência severa de vitamina D em doentes covid-19.

Será que ser obeso, hipertenso ou diabético representa um maior risco para a severidade da doença, tal como ser idoso? Os factos mostram que sim. Será porque temos de colocar também a vitamina D na equação? Mais, muitos destes indivíduos de risco são os que tomam medicamentos que interferem com a síntese de vitamina D, como estatinas ou glicocorticóides, e não tomam qualquer suplementação. Ou será que, além disso, estarão também geneticamente em desvantagem para o metabolismo de vitamina D e por isso para a covid-19?

Como investigadores, observando as tendências dos consumidores de produtos ‘magros’, os dados recentes mostram que, em Portugal, mais de metade da população tem excesso de peso, hábitos alimentares inadequados e pratica pouco exercício físico. Tudo isto, em cenário covid-19, torna ainda mais premente que se estude esta matéria com maior profundidade.

Começámos, por isso, um estudo científico na população Portuguesa que se propõe avaliar o status de vitamina D em doentes com covid-19. Estamos já a fazê-lo nos hospitais de Santa Maria, em Lisboa, e de São João, no Porto. Veremos se há coincidências.

Conceição Calhau
NOVASaúde Nutrition, Coordenadora da Licenciatura em Ciências da Nutrição da NOVA Medical School | Faculdade de Ciências Médicas da Universidade NOVA de Lisboa

Jaime C. Branco
Reumatologista, Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental | Hospital Egas Moniz e Diretor da NOVA Medical School | Faculdade de Ciências Médicas da Universidade NOVA de Lisboa e