Na “Cozinha do Povo”, um programa da Presidência de Timor-Leste, o prato do dia inclui sempre arroz, vegetais e proteínas, “alimentos bons”, para dar resposta ao problema da desnutrição no país e criar hábitos alimentares saudáveis.
Aquele espaço serve diariamente cerca de 500 refeições diárias, mas pode servir 700, dependendo da procura.
“O programa foi criado pelo Presidente [José Ramos-Horta] em resposta ao problema de desnutrição no país, com o objetivo de atender crianças de famílias muito pobres, especialmente mães solteiras e grávidas. A ideia do Presidente é disponibilizar nesta cozinha alimentos bons e saudáveis”, explicou à Lusa Bela Galhos, coordenadora do programa.
Timor-Leste tem uma das mais altas taxas de desnutrição do mundo.
Segundo dados do Programa Alimentar Mundial, 47% das crianças com menos de cinco anos estão com o crescimento comprometido, 8,6% sofrem de desnutrição aguda e 23% das mulheres em idade reprodutiva (entre os 15 e 49 anos) têm anemia.
A resposta do prémio Nobel da Paz ao problema não está só nas instalações da Presidência da República, que também fornece uma escola em Díli.
Já foi criada uma segunda cozinha em Hera, nos arredores da capital timorense, que alimenta mais de 300 pessoas.
“O menu é decidido pelo Presidente e nós preparamos os pratos de forma criativa para atrair as crianças, especialmente as que não gostam de vegetais”, disse Bela Galhos, citada pela Lusa.
Questionada pela Lusa sobre as razões que contribuem para a elevada taxa de desnutrição no país, Bela Galhos explicou que passam pela pobreza, crenças culturais e falta de conhecimento para preparar os alimentos.
Por um lado, disse Bela Galhos, os “alimentos podem estar disponíveis, mas as pessoas não sabem como prepará-los”, mas também “há muitas crenças culturais” e as “pessoas recusam comer certos alimentos”, como por exemplo peixe, moringa ou alguns tipos de feijões, por medo de morrer ou ficarem doentes.
E, depois, há a pobreza, que deixa “muitas famílias para trás em termos de alimentos nutritivos que podem proporcionar saúde”, salientou.
“Nós fazemos o nosso melhor para dar às pessoas o conhecimento sobre o significado dos alimentos que estão disponíveis e sobre os elementos nutricionais dos alimentos que comem todos os dias”, afirmou.
O programa, disse, não é “apenas cozinhar e fornecer alimentos”, é também “explicar e inspirá-los a olhar ao redor das suas casas e terras, a cultivar alimentos de forma fácil e fazer as crianças entenderem que os alimentos não aparecem na mesa, mas vêm do solo, do quintal, da agricultura”, explicou.
Bela Galhos destacou também que o problema da desnutrição afeta “não apenas a aparência física, mas também a altura e a intelectualidade”.
“Todos esses elementos foram considerados para fazer as mães e os pais entenderem a importância de fornecer alimentos saudáveis para seus filhos todos os dias e essa é uma grande preocupação do Presidente”, salientou.
O Banco Mundial alertou no final de 2023 que Timor-Leste enfrenta uma crise de capital humano e que é necessária “uma ação urgente” para que as crianças nascidas atualmente no país possam realizar o seu “potencial produtivo na vida adulta”.
Os dados do Programa Alimentar Mundial, de abril, indicam que 360.000 pessoas em Timor-Leste, com 1,3 milhões de habitantes, enfrentam níveis críticos de insegurança alimentar.
Apesar dos dados, Bela Galhos tem esperança de que o programa “Cozinha do Povo” seja temporário.
“Acredito que alimentos saudáveis devem estar na família, em casa. Os recursos alimentares devem estar disponíveis para todos. As pessoas não deveriam de ter de viajar longas distâncias para obter um prato de comida saudável”, afirmou.
A coordenadora do programa disse esperar também que a longo prazo as “pessoas possam viver de forma mais digna e ter acesso a alimentos saudáveis, locais, que proporcionem boas condições de vida e um padrão de vida que todo merecem”.