Um em cada cinco pais inquiridos num estudo europeu relatou que os filhos começaram a consumir mais ‘snacks’ salgados e doces durante a pandemia, apesar de terem comido com maior frequência fruta (10,3%), hortícolas (7%) e laticínios (10,8%).
O estudo da organização Mundial da Saúde (OMS) “O impacto da pandemia de covid-19 na rotina diária e nos comportamentos das crianças em idade escolar na Europa: resultados de 17 Estados-Membros”, apresentado esta terça-feira em Lisboa, reuniu dados de quase 55 mil famílias e crianças, sendo a maioria rapazes (51,8%) e crianças de oito anos (54,8%).
Coordenado pelo Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge (INSA), o estudo pretendeu conhecer e compreender o impacto da pandemia covid-19 (2020-2022) com base na perceção dos pais em relação a seis dimensões: Consumo alimentar, comportamentos familiares, atividade física e comportamentos sedentários, características do ambiente familiar, estado nutricional infantil, saúde mental e bem-estar.
O estudo revela que o consumo alimentar se manteve inalterado para 70 a 80% das crianças, mas a perceção dos pais sobre o estado nutricional dos filhos duplicou para o excesso de peso (passando de 8% antes da pandemia para 16% no período pandémico) e baixou de 82 para 73% a percentagem de crianças percecionadas como tendo peso normal.
Em declarações à agência Lusa, Ana Rito, investigadora do INSA que liderou o estudo, apontou como aspeto positivo da pandemia ter havido uma melhoria de vários comportamentos familiares, como a “partilha das refeições em família” (29%), “preparar refeições em conjunto com a criança” (30%) e “compra de alimentos em grandes quantidades” (28%), em vez da ida ao supermercado.
“Embora nunca associemos aspetos positivos à pandemia, houve, de facto, um ou dois aspetos que temos que realçar e um deles foi o maior tempo passado com a família (…) que permitiu que a criança estivesse mais perto da mãe e do pai na hora de cozinhar”, recuperando algo que se tem vindo a perder no estilo de vida atual, comentou.
Houve, contudo, “muitos outros” aspetos que “não foram mudanças tão positivas na altura”, disse Ana Rito, exemplificando que, se por um lado se observou um aumento no consumo de frutos e vegetais em Portugal, muito semelhante à média europeia, e um decréscimo no consumo de refrigerantes e de produtos açucarados, verificou-se, por outro lado, que “as crianças consumiram muito mais produtos açucarados de outra natureza, como as bolachas, os bolos”, e ‘snacks’ salgados”.
Também aumentaram “em larga escala” as atividades sedentárias, verificando-se um decréscimo do tempo que as crianças passaram a brincar ativamente nos dias de semana (28%) e no fim de semana (23%) e 36% aumentaram o tempo gasto a ver televisão, a jogar videojogos ou nas redes sociais.
Mais de um terço das crianças em idades escolar (34%), entre os seis e os dez anos, aumentou o tempo consumido na aprendizagem em casa, incluindo a “telescola”, em mais de três horas diárias, tendo os pais reportado também um aumento do número de horas de sono das crianças nos dias de semana (15%) e fim de semana (17%).
“O aumento significativo destas atividades sedentárias, combinado com não haver oportunidade para as crianças poderem praticar atividade física [devido ao confinamento] (…) foi algo que certamente terá tido um impacto no estado nutricional e na saúde destas crianças”, assim como “o maior consumo de produtos açucarados e produtos desinteressantes ao nível alimentar”, salientou Ana Rito.
Ressalvando que a pandemia não terá sido “a única causa” para o aumento ligeiro do excesso de peso e obesidade que se verificou em Portugal, a investigadora afirmou que foi “um período bastante difícil para estas crianças e para todos” também em questões relacionadas com o bem-estar, a saúde mental e o estado psicossocial.