Por Paula Alvito (Unidade de Investigação e Desenvolvimento do Departamento de Alimentação e Nutrição, Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge) e Elsa Reis Vasco (Unidade de Observação e Vigilância do Departamento de Alimentação e Nutrição, Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge)
O crescimento populacional e a industrialização no último século promoveram o aumento da procura de bens, como medicamentos, produtos de consumo doméstico e plásticos. A produção intensiva e o descarte inadequado desses produtos disseminaram agentes nocivos nos ambientes naturais, provocando contaminação contínua.
O termo Contaminantes Emergentes (CEs) refere-se a novos poluentes, químicos ou biológicos, sintéticos ou naturais, encontrados no ambiente e potencialmente tóxicos para os seres humanos e ecossistemas, com riscos ainda não totalmente compreendidos.
A persistência e bioacumulação dos CEs causam preocupação devido aos seus efeitos na saúde humana, animal e nos ecossistemas. Nos humanos, a exposição a esses contaminantes está associada a doenças crónicas, distúrbios endócrinos, problemas reprodutivos, alterações neurológicas e cancro. Nos animais, causam efeitos semelhantes, além de distúrbios ecológicos e perda de biodiversidade. Nos ecossistemas, os CEs provocam desequilíbrios biológicos e contaminação da cadeia alimentar.
Contaminantes emergentes nos alimentos e efeitos na saúde
A presença de CEs nos alimentos é um desafio crescente para a saúde pública, uma vez que a sua propagação na cadeia alimentar pode representar riscos significativos para a segurança alimentar e para a saúde humana.
Os CEs nos alimentos incluem substâncias de diferentes naturezas. Nesta classe incluem-se os compostos químicos como pesticidas (organofosforados, carbamatos, neonicotinóides), resíduos de medicamentos (antibióticos, analgésicos, hormonas), produtos industriais, poluentes orgânicos persistentes (POPs), micotoxinas (toxinas produzidas por fungos), metais pesados (chumbo, cádmio, prata) e substâncias per e polifluoroalquiladas (PFAS). Para além deste grupo, ocorrem também os contaminantes de natureza microbiológica incluindo as bactérias (ex.: Salmonella, E. coli), vírus (Norovírus), parasitas (Cryptosporidium) e fungos (Aspergillus) e os nanomateriais incluindo os microplásticos.
As principais fontes de CEs nos alimentos incluem a agricultura pelo uso de pesticidas, fertilizantes e promotores de crescimento que deixam resíduos nos alimentos; a pecuária em virtude dos resíduos de medicamentos veterinários detetados em produtos de origem animal; e o processamento e embalagem, dado que os produtos químicos e microrganismos podem migrar dos materiais de processamento e/ou embalagem para os alimentos. Outras fontes de CEs incluem a poluição ambiental (ar e água), bem como os resíduos industriais e produtos químicos que contaminam culturas agrícolas e animais. Par além dos compostos de origem antropogénica, ocorrem outros de origem natural como as micotoxinas e as toxinas marinhas.
Os CEs nos alimentos afetam a saúde humana de diversas formas, dependendo do tipo e nível de exposição: i) toxicidade aguda (exposição a altos níveis pode causar efeitos imediatos, como náuseas, vómitos, diarreia, dor abdominal, tonturas e até falência de órgãos); ii) toxicidade crónica (a exposição prolongada a baixos níveis está ligada a doenças crónicas, como cancro, distúrbios de desenvolvimento, deficiências neurológicas e desequilíbrios hormonais); disrupção endócrina (alguns contaminantes interferem no sistema endócrino, afetando hormonas e causando problemas reprodutivos e de desenvolvimento); neurotoxicidade (a exposição prolongada pode prejudicar o sistema nervoso, levando a deficiências cognitivas e distúrbios neurológicos); toxicidade reprodutiva (certos contaminantes afetam a fertilidade e o desenvolvimento fetal); imunotoxicidade (alguns contaminantes comprometem o sistema imunológico, aumentando a suscetibilidade a infeções e ao risco de doenças autoimunes); e alergias e intolerâncias (novos compostos podem desencadear reações alérgicas e intolerâncias alimentares).
Desafios, mitigação e abordagem integrada
Para abordar esta complexa temática e as suas repercussões, é essencial compreender os mecanismos de contaminação, estudar os impactos na saúde e no ambiente, e desenvolver estratégias de mitigação. É importante criar métodos harmonizados para detetar e quantificar esses compostos em matrizes biológicas e ambientais, implementar programas de monitorização contínua, realizar avaliações de risco e aplicar modelos matemáticos que prevejam a distribuição e o destino dos contaminantes no ambiente, entre outros.
Para mitigar os efeitos dos CEs, é crucial adotar estratégias como a prevenção na fonte, com redução da produção e do uso de substâncias químicas perigosas e o incentivo a alternativas mais seguras; o uso de tecnologias avançadas de tratamento de águas e efluentes, como oxidação e adsorção; assim como, de sistemas eficientes de gestão de resíduos focados na reciclagem. Técnicas de remediação, como biorremediação e fitorremediação, para limpar os solos contaminados e práticas agrícolas sustentáveis, como rotação de culturas e uso de fertilizantes orgânicos, também ajudam a diminuir a contaminação.
Para um futuro mais sustentável e saudável, é essencial investir em investigação, promover cooperação internacional e fortalecer políticas públicas com uma abordagem integrada entre saúde humana, animal e ambiental. Fóruns como a Conferência Internacional sobre Contaminantes Alimentares (ICFC2025), organizada pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge e que irá decorrer em setembro de 2025, são fundamentais para melhorar a literacia e fomentar o diálogo e a discussão de novas abordagens e estratégias.