Comigo resulta! 1783

Há pouco tempo, num daqueles almoços de trabalho que se estendem tarde adentro, a conversa foi parar às “dietas” e rapidamente escalou para as estratégias que cada um dos presentes usava para manter o peso (mais ou menos) controlado. Entre algumas referências a cuidados consensuais, como controlar o tamanho das porções ingeridas e reservar as refeições mais copiosas para ocasiões pontuais, alguém se apressou a defender a sua “receita” para um peso “ideal”. Esta “dieta” consistia em combinações de alimentos que, supostamente, dificultariam a acumulação de gordura, assim como jejuns prolongados e ainda uns inevitáveis sumos “detox”. Com mais alguns “truques”, assegurava a pessoa, era possível comer diariamente uns quadradinhos de chocolate (desde que fosse negro) ou beber um copo de vinho, sem aumentar de peso… Para um nutricionista, estas situações são sempre delicadas – se não há condições para discutir o assunto com rigor, o silêncio pode ser entendido como concordância com o que está a ser dito. Por outro lado, se decidimos intervir para dar algum contexto ou desmistificar conceitos incorretos, corremos o risco de não ter tempo ou condições para explicar adequadamente temas que podem ser complexos. E foi com isto em mente que respirei fundo e decidi intervir, até porque o contexto era de trabalho e sendo nutricionista, não podia simplesmente ficar calado.

É frequente dizer-se que “de médico e de louco, todos temos um pouco”. A alimentação, sendo algo que todos fazemos diariamente, presta-se frequentemente a tomadas de posição assertivas. Sobretudo por parte de pessoas que se vêm a si próprias como exemplos no que respeita ao aspeto do seu corpo, à sua performance física ou ao processo de perda de peso porque passaram. Ter um corpo “bem definido” ou ter perdido 20 kg por iniciativa própria confere, nalgumas cabeças, equivalência a um Doutoramento em Nutrição! Este fenómeno é agravado pelo facto de existir hoje imensa informação disponível na internet, o que permite a estas pessoas uma amálgama de interpretações sem contexto e um papaguear de factos aparentemente “científicos”. Aliás, basta uma vista de olhos rápida por fóruns de culturistas ou de grávidas (para dar apenas dois exemplos), para ler todo o tipo de opiniões sobre alimentação ou suplementação, baseadas em “fundamentação” para todos os gostos. Estes “bitaites”, que se não fossem potencialmente perigosos poderiam dar vontade de rir, têm todos algo em comum – a crença de que a validade de tais afirmações advém dos resultados obtidos ou das experiências vividas por cada um. Junta-se a isto a facilidade de difundir através das redes sociais estas vivências individuais, e estão criadas as condições para a disseminação de todo o tipo de “dietas” e conselhos.

Não deixa de ser curioso que estes fenómenos de empoderamento pessoal (a possibilidade de aceder a informação quase ilimitada e de poder livremente difundir as nossas mensagens) estejam a subverter as conquistas do método científico. A replicabilidade dos métodos e a consistência dos resultados obtidos parecem esquecidas perante a valorização da experiência individual. Cresce assim a ideia de que se algo resultou com determinada pessoa, vale a pena tentar fazer igual. O que nos leva de volta à conversa das dietas com que começou este texto. Após desmistificar algumas das noções pseudocientíficas apresentadas, consegui ainda explicar porque não havia fundamento que justificasse a sua recomendação generalizada. A pessoa pareceu entender, assim como os restantes comensais. Mas mesmo assim, a conversa terminou com um humilde: “Certo. Mas comigo resulta!”.

Por Rodrigo Abreu
Nutricionista – Managing Partner na Rodrigo Abreu & Associados
Fundador do Atelier de Nutrição